Steve Jobs, fundador da Apple e uma das grandes personagens a promover a Revolução Digital onde hoje vivemos, fez um famosíssimo discurso numa formatura da Universidade de Stanford: como sempre fazia nas suas apresentações, passou a mensagem através de três pequenas histórias, nessa ocasião, histórias de sua vida. A minha preferida é a história de seu fracasso. Sim, isso mesmo. Steve começou essa história dizendo que teve a sorte de encontrar o que amava fazer muito cedo em sua vida. A empresa que começou na garagem da casa de seus pais se tornaria dez anos depois numa empresa bilionária com milhares de empregados. Aos trinta anos ele estava no topo do mundo. Como disse Denzel Washington para Will Smith na noite do Oscar: “Cuidado, quando você está no ponto mais alto, é nessa hora que o Demônio vem atrás de você”. Will Smith deveria ter ouvido o conselho, e Steve Jobs deveria tê-lo recebido. Com trinta anos e muitos milhões de dólares na sua conta, o jovem Steve cometeu erros, afrontou colegas, funcionários e a diretoria de sua empresa até ser demitido da Apple que ele próprio tinha criado. Foi uma pancada e uma grande decepção. Nesse ponto, ele interrompe o seu discurso e se dirige diretamente aos formandos, dizendo: “Em algum momento, a vida vai te dar uma tijolada na cabeça. Não perca a fé”. A fé que ele mencionava não é uma fé em Deus ou em algum santo padroeiro. É a fé que, depois de perder o rumo e a sensação de significado, você vai conseguir recomeçar, buscar outras trilhas, errar e acertar na busca. Mas não perde a fé na busca. Steve Jobs continuava amando o que fazia. Começou uma empresa de computadores, a Next, e investiu numa empresa de Animação que viria a ser a Pixar. Temos nossos smartphones e os desenhos inesquecíveis como “Toy Story” e “Procurando Nemo” graças à tijolada que Steve Jobs tomou na cabeça. Foi uma bela tijolada.
Eu gosto muito desse trecho do incrível discurso pela certeza cristalina com que ele adverte a galera em suas becas reluzentes de que “a vida um dia vai te dar uma tijolada” (não vai ser uma só, eu acrescentaria). Não parece algo muito motivacional para quem está pegando o seu canudo e iniciando sua vida, certo? Errado. Detesto o blá-blá-blá autopromocional
das formaturas e seus discursos fofinhos. Steve Jobs orienta os formandos com a mensagem mais importante de todas: não importa quantos revezes, quantas decepções, quantas injustiças que vão estar no seu caminho, procure amar o que você faz e encontrar alguma coisa que realmente te mova na direção do futuro. Quando ele foi ridiculamente posto para fora da empresa que tinha construído com suas próprias mãos, Steve encontrou um significado mais profundo em sua busca, reencontrou o caminho que o levou de volta ao lugar que tinha perdido e construiu uma família com a mulher que ficou ao seu lado quando tudo parecia estar dando errado (essa é outra tijolada que levamos: quem realmente fica ao seu lado quando tudo parece estar dando errado). Isso significa que era ótimo viver ou trabalhar com Steve Jobs? Dizem que não. Trabalhar com ele e dizer que a sua visão não estava certa era tarefa quase impossível. Steve Jobs era um visionário, e não é nem um pouco fácil viver perto de um visionário. Entretanto, não acho ingênuo dizer que as suas palavras eram verdadeiras: quando a vida te dá uma tijolada, o jeito de se recuperar da dor de cabeça é encontrar um caminho que tenha um coração. Ou colocar o seu coração no caminho.
(Termino esse artigo com uma velha música do Raul Seixas tocando na minha cabeça: “Tente/Não diga que a vitória está perdida/Se é de batalhas que se vive a vida/Tente outra vez”. Vou fazer um post no meu Instagram homenageando o Raulzito)
*Marco Antonio Spinelli é médico, com mestrado em psiquiatria pela Universidade São Paulo, psicoterapeuta de orientação junguiana e autor do livro “Stress o coelho de Alice tem sempre muita pressa”