Precisamos falar sobre suicídio infantil

Precisamos falar sobre suicídio infantil

Uma cliente querida me passou um áudio divulgado no grupo das mães do colégio de sua filha. Estavam todas apavoradas pela notícia do suicídio violento e dramático de uma criança de treze anos em um conceituado colégio de São Paulo. Quando digo EM um colégio, estou sendo literal. A menina tirou a própria vida dentro do seu colégio. Sei poucos detalhes e não é o objetivo desse artigo revelá-los. A mensagem era de uma mãe terapeuta que mencionou o risco do efeito “contagioso” do suicídio em crianças e adolescentes, o que pode provocar o “Cluster Suicide”, ou Suicídios em Série. A mensagem estava indo muito bem, sobre a importância de não se dar excessiva ênfase no assunto para não traumatizar nem amplificar o impacto da história. Concordo. No final ela sugeriu que era melhor não falar sobre o assunto com as crianças, para não criar o efeito da contaminação. Discordo completamente. E explico.

É bastante bem estabelecido que a Mídia e a Imprensa devem tratar esse tipo de notícia com muita delicadeza. Já é bem claro que um dos fatores de risco para suicídio, notadamente na puberdade/adolescência está diretamente relacionado ao suicídio de amigo, colega ou pessoa próxima. Há alguns anos tivemos em outro colégio de São Paulo a ocorrência desse fenômeno: dois adolescentes desse colégio tiraram a própria vida, em um curto espaço de tempo. Todo mundo deve, ou deveria, tocar nesse assunto com extremo cuidado. Todo mundo? Não, todo mundo não. Em tempos de Redes Sociais, as mortes são postadas e os detalhes expostos de maneira gráfica, atingindo crianças de idades cada vez mais precoces. O conselho da colega, portanto, é completamente improcedente. Se os pais não falam sobre esse assunto, muitas mensagens, comentários e fotos vão chegar aos computadores e celulares de seus filhos, aumentando o risco de contaminação. Muita gente fica em estado de paralisia e tem medo de induzir o comportamento se o assunto for abordado. Na minha opinião, o assunto pode e deve ser abordado pelos pais. E os filhos, em vez de serem vistos como potenciais suicidas, podem ser convidados a ajudar e cuidar de colegas mais vulneráveis. E quem são os colegas mais vulneráveis? Os colegas que tem ou passaram por quadros depressivos, passaram por ou cometeram atos de violência, os que usam álcool e outras drogas precocemente. Há também os alunos isolados, que afastam quem deles se aproxima e alunos que estejam sofrendo qualquer tipo de bullying no ambiente escolar ou social a que pertencem.

 Os pais devem estar atentos, abrir canais de diálogo e criar condições para se montar uma corrente de proteção na comunidade. Em vez de projetar na criança o medo e a insegurança dos pais, o melhor caminho é empoderar as crianças com a informação e a “tarefa” de olhar pelo próximo e oferecer atenção e quem sabe, compaixão para ele.

O Suicídio é a segunda causa de morte em crianças e adolescentes no Brasil e no mundo. Isso em um país que muitos jovens se ferem e morrem em assaltos, acidentes e diversas formas de violência. O Suicídio é uma praga silenciosa, subnotificada e oculta, que está se espalhando e criando novas vítimas. Não devemos mais olhar para isso com indiferença ou culpar a família das vítimas ou apontar o dedo para as escolas. Procurar por culpados é um jeito de esconder a sensação que todos participamos desse mundo que tem fragilizado e ignorado as dificuldades de travessia dessas crianças até a idade adulta.

Uma das coisas mais chocantes da morte dessa menina em São Paulo foi o fato dela ser uma menina e ter usado um método violento. Como nos adultos, os meninos são mais efetivos e mais violentos em suas tentativas. As meninas tentam mais e conseguem menos. Isso também está mudando. As Redes Sociais tem aumentado o risco suicida entre as meninas. O Pós Pandemia também tem criado uma quase avalanche de transtornos ansiosos e estressores de readaptação ao mundo real de crianças que passaram dois anos em isolamento e imersão virtual.

Estudos mostram que a sensação de exclusão ou agressão ativam áreas relacionadas com a dor nas crianças e adolescentes. A sensação de dor pode gerar o comportamento de skin cutting, ou de cortes na pele, numa tentativa paradoxal de inibir a dor da angústia com a dor física e as endorfinas que o corpo libera com os cortes. Devemos alertar e orientar as crianças e adolescentes sobre o Bullying, os comentários maldosos e essa moda de série americana de transformar a escola em um campo de batalhas entre grupelhos e disputas de popularidade. Está na hora de romper com o silêncio de deixar o bullying correr solto, porque “as crianças precisam resolver isso entre elas”, ou “não podemos invadir o espaço delas”. Adultos não devem irromper nas brigas das crianças nem devem invadir os segredos que todos tem nessa fase, sim, mas devem estar atentos sobre as dores que essa transição está causando e tentar proteger a todos: seus filhos e os seus colegas. Porque os números estão aumentando, e não podemos virar apenas números.

*Marco Antonio Spinelli é médico, com mestrado em psiquiatria pela Universidade São Paulo, psicoterapeuta de orientação junguiana e autor do livro “Stress o coelho de Alice tem sempre muita pressa”