Por Verônica Stasiak Bednarczuk de Oliveira
O pedido de casamento. A viagem dos sonhos. A festa de formatura. Ocasiões como estas são as que normalmente ficam guardadas na memória, enquanto as lembranças do cotidiano acabam se perdendo com o tempo. Mas e se cada dia da sua vida não fosse um direito garantido, mas sim um privilégio? E se momentos simples como um passeio no shopping ou uma corrida na beira-mar fossem uma conquista? É disso que trata a campanha deste ano do Setembro Roxo – Mês Nacional de Conscientização sobre a Fibrose Cística, liderada pelo Unidos pela Vida – Instituto Brasileiro de Atenção à Fibrose Cística, o qual tenho a honra de ter fundado em 2011 e de dirigir até hoje.
A campanha traça um paralelo entre as lembranças memoráveis e as lembranças do cotidiano: para pessoas com fibrose cística, ocasiões simples são um privilégio conquistado a duras penas. Dessa forma, conscientiza a população sobre a doença, de modo que tenham acesso a informações corretas e que o diagnóstico e o tratamento sejam realizados de forma precoce e no tempo adequado.
A doença faz com que toda a secreção no organismo fique mais espessa que o normal, dificultando sua eliminação e causando sintomas como tosse crônica, pneumonia de repetição, diarreia, pólipos nasais, baqueteamento digital, suor mais salgado que o normal e dificuldade em ganhar peso e altura. A triagem deve ser realizada logo no início da vida, no Teste do Pezinho, exame gratuito e obrigatório para recém-nascidos. Caso o resultado apresente alteração para fibrose cística em dois testes repetidos, realiza-se o Teste do Suor para confirmar ou descartar o diagnóstico da doença. Este teste, inclusive, é considerado como o padrão ouro para o diagnóstico, e pode ser realizado a qualquer tempo da vida para confirmar ou descartar a fibrose cística. O tratamento é diário e inclui fisioterapia respiratória, realização de atividade física, ingestão de medicamentos como enzimas pancreáticas, antibióticos, corticoides, moduladores e suplementos vitamínicos, além do acompanhamento regular realizado por equipe multidisciplinar.
A campanha deste ano, entretanto, tem como pano de fundo a vitória recém conquistada pela comunidade da FC no Brasil. Em 5 de setembro, Dia Nacional de Conscientização e Divulgação da Fibrose Cística, foi oficializada e publicada pelo Ministério da Saúde, a decisão de incorporação do medicamento elexacaftor/tezacaftor/ivacaftor (Trikafta®) no Sistema Único de Saúde (SUS). A medida é um marco no tratamento à doença, possibilitando que, a partir de agora, cerca de 1.700 pessoas que possuem indicação ao medicamento tenham acesso a ele de forma gratuita no país. Este medicamento é conhecido por ser um dos mais inovadores do mundo, mudando o curso natural da doença no paciente, promovendo mais qualidade de vida a quem utiliza. Nós estivemos ao lado de associações e pessoas com fibrose cística durante anos, realizando campanhas e ações para demonstrar ao poder público a importância do tratamento para as pessoas elegíveis. Realizamos pesquisas, articulações, capacitações, negociações intermináveis para que este sonho se tornasse realidade.
A vitória, entretanto, não significa que a batalha terminou: é preciso que o Governo Federal atualize os protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas da doença e inicie a dispensação do medicamento em até 180 dias – prazo regulamentar previsto na legislação. Só assim o medicamento sairá do papel e chegará nas mãos de quem mais precisa.
Nós do Instituto Unidos pela Vida seguiremos trabalhando, monitorando e lutando para que os prazos sejam cumpridos e para que o sorriso de esperança volte ao rosto da nossa comunidade. Sorriso calejado esse que, por enquanto, ainda está pela metade. Apropriando-se da célebre frase de Juscelino Kubitschek, o que é o Trikafta senão a alvorada de um novo dia para os pacientes de fibrose cística?
Verônica Stasiak Bednarczuk de Oliveira, fundadora do Unidos pela Vida – Instituto Brasileiro de Atenção à Fibrose Cística e diagnosticada com a doença de forma tardia, aos 23 anos.