O anúncio de que o governo federal vai promover uma semana de “testes” de leilões de infraestrutura deveria ser encarado pelo mercado com a devida cautela. Há sérias restrições em pelo menos um dos certames elencados pelo governo para a sua experimentação do ânimo dos investidores, justamente o do setor que provavelmente mais carece de renovação e recursos nesse momento, o das ferrovias.
O trecho a ser leiloado que fará parte do “pacotão” do Ministério da Infraestrutura é o da Fiol – Ferrovia de Integração Oeste Leste, entre Ilhéus e Caetité, na Bahia. Vários questionamentos foram encaminhados à Comissão de Outorga e à Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), sem que houvesse alguma providência desses órgãos.
O próprio prazo estabelecido para realizar o leilão causa discórdia. Segundo as empresas que solicitam o reparo no cronograma, além de pedidos de esclarecimento não-atendidos, documentos importantes teriam sido solicitados à Comissão, sem que esta houvesse disponibilizado o material. Outro alvo de reclamações é o fato de que os documentos em inglês não foram abertos para consulta a tempo de uma análise apurada dos investidores. Por fim, as respostas a alguns dos esclarecimentos requisitados só foram publicadas 38 dias antes da data estabelecida para o leilão, o que também seria motivo suficiente para as empresas interessadas na concorrência pleitearem o adiamento.
Há ainda problemas estruturais graves nos editais, como a supressão de penalização para atrasos no início da operação e na entrega da obra, e outorga sem previsão de piso ou teto.
A Comissão de Outorga negou todas essas requisições plenamente justificáveis, liberando o caminho para o governo fazer um leilão de forma açodada e marqueteira. Se o objetivo é testar o ânimo dos potenciais investidores, o tiro sairá pela culatra. Conduzindo o leilão da Fiol sob essas condições, o governo apenas levanta suspeitas de que há direcionamento no certame. A lisura do processo precisa ser preservada.
Podemos imaginar também outros vícios nos demais leilões programados pelo Ministério, como os dos portos e aeroportos. Na melhor das hipóteses, o governo tenta se livrar de ativos hoje considerados “abacaxis” na mão de gestores públicos sem visão, e conseguir assim algum dinheiro para as combalidas finanças públicas. O Brasil está seguindo o caminho contrário, por exemplo, dos Estados Unidos, que, com Joe Biden, anunciou recentemente investimento trilionário do governo local em infraestrutura.
Na pior das hipóteses, veremos uma farsa sendo consumada, com as empresas já marcadas para vencerem as disputas abocanhando oficialmente o seu quinhão, com as bençãos do governo.
Em suma, da forma como está posto, o leilão da Fiol é altamente discutível do ponto de vista da transparência, e precisa ser adiado, para que tenhamos uma concorrência de fato positiva para o mercado e para os interesses da nação.
*José Manoel Ferreira Gonçalves é engenheiro e presidente da Ferrofrente (Frente Nacional pela Volta das Ferrovias).