As novas configurações familiares, decorrentes da mudança cultural ao longo dos anos, nem sempre são previstas pelas leis que regem o direito sucessório. Por isso, surgem muitas dúvidas com relação a direitos e deveres de cada membro.
Enteado, também chamado filho de criação, tem direito a herdar da madrasta ou do padrasto desde que essa relação seja marcada por vínculo socioafetivo. Caso contrário, a condição em si não garante a participação sucessória nos bens de herança.
De acordo com o Código Civil, via de regra o enteado não teria direito à herança do padrasto ou da madrasta porque a categoria de filiação somente pode ser adquirida de duas maneiras — pela própria natureza, com o nascimento, ou por ação jurídica, por meio da adoção.
Com um novo casamento de genitores, ainda que uma relação afetiva entre enteado e madrasta/padrasto seja estabelecida, os efeitos sucessórios não se alteram. Permanecem, assim, direcionados exclusivamente aos herdeiros necessários, conforme disposto no Código Civil.
O Código afirma que a sucessão legítima de herdeiros necessários é formada por descendentes, ascendentes e cônjuge. Descendentes compreendem filhos, netos, bisnetos e assim por diante; ascendentes incluem pais, avós, bisavós e antecessores; e cônjuge refere-se a marido, esposa, companheiro ou companheira.
Testamento e filiação socioafetiva
O enteado tem direito à parte da herança quando há um testamento em seu nome. Por lei, a quantia que pode ser distribuída para terceiros compreende 50% dos bens do testador; a outra metade é destinada aos herdeiros necessários, como filhos e cônjuges.
Além do testamento, é possível garantir que o enteado tenha direito reconhecido à herança a partir do registro público de filiação socioafetiva, feito em vida, ou por meio de reconhecimento judicial em ação pleiteada pelo interessado após o falecimento do padrasto ou da madrasta.
Concebida pelo Direito brasileiro, a socioafetividade é uma expressão que representa a relação entre duas ou mais pessoas, permeada por forte vínculo de afeto e pelo exercício de lugares e funções de pai, filho ou irmãos.
A socioafetividade pode ser base para parentesco em razão do exercício de maternidade, paternidade, irmandade ou outro vínculo parental consolidado ao longo do tempo. Para efeitos legais, esse parentesco é equiparado aos pais biológicos e adotivos, contando com as mesmas garantias.
Como possibilitar que o enteado tenha direito à herança?
É viável fazer um registro público, ainda em vida, para reconhecer a filiação socioafetiva e garantir que o direito do enteado à herança seja reconhecido. Com um planejamento sucessório, os direitos a cada um dos herdeiros ficam resguardados no inventário da partilha dos bens e não suscetíveis à interpretação jurídica. Buscar orientação junto a um serviço de advocacia pode ajudar nesse processo.
Depois do falecimento, essa medida somente é possível se o enteado estiver registrado em testamento ou por via judicial. Para que a decisão judicial seja favorável ao recebimento da herança por parte do enteado, é feita uma investigação que busca observar se a relação era pública, duradoura, contínua e consolidada.
Com a decisão judicial, os mesmos direitos dos filhos biológicos ou adotados passam a ser também do enteado. Apesar de a filiação socioafetiva não ter uma norma legal específica de amparo, ela é admitida pelos tribunais brasileiros.