Um tema que costuma gerar certa confusão é o da diferença entre duas espécies de pleitos decorrentes da sonegação salarial atinente à função exercida pelo trabalhador: o desvio de função e o acúmulo de função.
Sem esgotar o tema que, como qualquer problema jurídico, deve ser analisado caso a caso, passo a explanar brevemente as regras gerais estipuladas na lei, doutrina e jurisprudência acerca desta temática.
DESVIO DE FUNÇÃO
O desvio funcional ocorre quando o trabalhador é contratado para exercer determinada função (a qual possui suas atribuições específicas), mas por imposição do empregador exerce – de maneira não excepcional ou não eventual – uma função distinta daquela.
Não existe na lei escrita uma normatização estrita ao desvio de função, porém, de uma sistemática legal, bem como da jurisprudência e lecionamento doutrinário é possível se construir uma base para dirimir a problemática.
O art. 884 do Código Civil (aplicado subsidiariamente às relações de emprego por força do art. 8º, parágrafo único, da CLT) veda o enriquecimento sem causa, impelindo que o aproveitador restitua ao lesionado o quantum indevidamente auferido.
De igual teor o art. 927 do Código Civil que diz que aquele que causar dano a outrem, por ato ilícito, fica obrigado a repará-lo. Tanto que bem está disposto no art. 483, “a” da CLT que a exigência de serviços alheios ao contrato de trabalho pode gerar a rescisão do mesmo, com a consequente indenização.
Já no campo jurisprudencial existe a OJ-SDI nº125 com o seguinte teor:
DESVIO DE FUNÇÃO. QUADRO DE CARREIRA.
O simples desvio funcional do empregado não gera direito a novo enquadramento, mas apenas às diferenças salariais respectivas, mesmo que o desvio de função haja iniciado antes da vigência da CF/1988.
Assim, provado o desvio de função, terá o empregado o direito ao recebimento das diferenças salariais entre seu cargo e o exercido desvirtuosamente, respeitada a prescrição de 05 (cinco) anos de acordo com a súmula 275 do TST.
>ACÚMULO DE FUNÇÃO
Já o acúmulo de função, diferentemente do puro desvio, ocorre quando o trabalhador, além de exercer sua própria função, também exerce – de forma não excepcional e não eventual – a de outro cargo.
Existe uma corrente doutrinária e jurisprudencial que entende que, pela ausência de dispositivos legais adstritos ao acúmulo funcional, o Estado-juiz está impedido de conceder a prestação jurisdicional para condenar o empregador ao pagamento de qualquer indenização.
Para estes, o pagamento em decorrência do excesso só seria possível se estipulado em acordo ou convenção coletiva de trabalho.
O art. 456, parágrafo único, da CLT, regra que na falta de cláusula expressa, o empregado considera-se obrigado a todo e qualquer serviço compatível com sua condição pessoal. Esta disposição tem sido usada como fundamento para não reconhecer o direito de indenização pelo acúmulo funcional.
Contudo, também é do entendimento de outros juízes e doutrinadores, que os dispositivos do Código Civil que vedam o enriquecimento sem causa e preditam a indenização pelo ato ilícito (conforme já apresentado no tópico do desvio de função) são suficientes para condenar ilegal o acúmulo.
Neste sentido, parte da jurisprudência tem fixado que o trabalhador que exerceu funções excedentes ao seu cargo (e principalmente quando estas são incompatíveis com sua condição pessoal) tem direito a receber um plus (acréscimo salarial), que geralmente é fixado em um percentual de sua remuneração.
Logo, o que se pode dizer é que a problemática do acúmulo funcional ainda guarda certa divergência nos julgados, sendo mais difícil tê-la reconhecida como ilegal na mesma proporção do desvio funcional.
Por fim, como já ressalvado no introdutória deste texto, deve ser analisado caso a caso para que se verifique a possibilidade ou não do pleito de reclamação trabalhista por desvio ou acúmulo de função.
REFERÊNCIAS