ARTIGO: Lei 14.611/2023: (re)afirmação da igualdade salarial entre mulheres e homens

ARTIGO: Lei 14.611/2023: (re)afirmação da igualdade salarial entre mulheres e homens

Por Maurício de Carvalho Góes*

Desde 1952, na Consolidação nas Leis do Trabalho (CLT), e 1988, na Constituição Federal (CF), é garantida, do ponto de vista formal, a igualdade salarial entre mulheres e homens. Contudo, sabemos que, na prática, do ponto de vista material, sempre existiu desigualdade de gênero no mercado de trabalho, razão pela qual são sempre bem-vindas ações afirmativas, ainda que o Brasil seja o paraíso normativo das garantias não concretizadas. Buscando essa (re)afirmação, no dia 03 de julho foi publicada a Lei 14.611, a qual acrescenta os parágrafos sexto e sétimo ao artigo 461 da CLT. O parágrafo sexto prevê que o direito às diferenças salariais, quando constatada a discriminação, não impede futura postulação judicial de indenização por danos morais. Nenhuma novidade aqui, pois há bastante tempo, na Justiça do Trabalho, essa espécie de discriminação já enseja o pagamento de indenização por danos morais, o que depende de prova e interpretação do caso concreto. Já o parágrafo sétimo altera o critério de multa administrativa para os casos de discriminação constatada pela fiscalização do Ministério do Trabalho e Previdência (MTP), prevendo o pagamento de 10 (dez) vezes do novo salário devido, prevendo o dobro no caso de reincidência.

Além dessas alterações, a Lei cria um particular sistema de compliance, determinando medidas para garantir igualdade salarial e de critérios remuneratórios entre mulheres e homens, como mecanismos de transparência de critérios salariais e remuneratórios; canais de denúncia específicos para casos de discriminação; promoção de cursos de programas de diversidade e inclusão com capacitação de gestores, líderes e empregados sobre o tema igualdade; e fomento à capacitação e formação de mulheres sobre ingresso, permanência e ascensão no mercado de trabalho.

Outro aspecto inovador é o de que as empresas de Direito Privado com 100 (cem) ou mais empregados deverão providenciar a publicação semestral dos relatórios de transparência salarial e de critérios remuneratórios. Observando a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), deverão ser apresentados dados e informações que possibilitem uma comparação entre salários, remunerações e proporção de cargos ocupados para constatação de eventuais desigualdades. O descumprimento implicará na aplicação de multa administrativa de até 3% do valor da folha de salários da empresa, limitada a cem salários mínimos, sem prejuízo de outras consequências legais cabíveis. A meu juízo, o referido relatório suscita indagações, pois, a imposição legal de um “portal de transparência salarial” não estaria indo de encontro ao princípio da livre inciativa e ao poder diretivo do empregador? Afinal, o próprio artigo 461 da CLT estabelece critérios que permitem a diferenciação salarial, como, por exemplo, a diferença de perfeição técnica e produtividade. Como administrar e justificar essas diferenças frente à nova Lei, sem contar a instabilidade que a divulgação das informações poderá gerar no clima organizacional dos empregados?

Não obstante essas indagações, a nova Lei provoca, assim, reflexões importantes, pois, acertadamente, diversidade e inclusão começam a ganhar cada vez mais espaço nas políticas de gestão. Diversidade e inclusão, no Brasil, somente se efetivarão com “régua alta”, seja quanto a normas específicas, seja quanto às medidas afirmativas e sanções. Contudo, no caso em específico, meu receio é que o dito relatório de transparência ultrapasse o limite dessa “régua” e acabe por gerar uma discriminação às avessas ou uma barreira para a mitigação das desigualdades dentro do empreendimento, pois a produtividade, perfil técnico e competividade entre empregados – critérios permitidos por Lei -, poderão ser considerados critérios discriminatórios, caso não sejam interpretados de forma correta.

* Doutor em Direito, Sócio TozziniFreire Advogados e professor universitário

Martha Becker Connections
Daniel Rodrigues
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