Existe uma propagação de que o fazer é mais importante do que o pensar. Mais ainda, nos últimos tempos, há uma inclinação em pensar que uma ideologia relacionada à totalidade, é uma perda de tempo e irrelevante para os destinos individuais e para o sucesso profissional e na vida pessoal. Temos visto as empresas optarem não por uma ideologia que pense em todos, mas uma ideologia de privatização, dirigido aos indivíduos e adaptada somente a usos individuais daquela empresa, solapando o pensar em sociedade.
Não se cria ou se define uma ideologia central. Ela é descoberta. Não pode ser inferida olhando-se o ambiente externo. É compreendida quando se olha para dentro. Sua descoberta não é um exercício intelectual. Não pergunte em quais valores básicos devemos acreditar. Pergunte quais são os valores básicos em que acreditamos de fato e defendemos com paixão.
Se pudermos dar uma olhadinha em torno e reparar o que transformou empresas em sucesso vamos ver que elas não são um depósito de objetos de consumo, que a sua existência não é apenas a manifestação de uma perpétua busca de transações e a sua realização não é a medida de incremento do valor da bolsa de valores. Se não tivessem descoberto a sua ideologia central, com certeza muitas das empresas que se solidificaram no mercado teriam sumido como castelos na areia. É também necessário mostrar claramente que o papel da ideologia é guiar e inspirar, e não diferenciar. Duas empresas podem ter os mesmos valores e finalidades básicas. Muitas podem ter como finalidade, por exemplo, fazer contribuições técnicas, mas poucas vivenciam com tanta paixão quanto a Hewlett-Packard. A finalidade de muitas empresas pode ser preservar e melhorar a vida humana, mas poucas se atêm a ela tão profundamente como a Merck. Os valores básicos de muitas empresas podem ser uma heróica prestação de serviços ao cliente, mas poucas criam uma cultura tão intensa ao redor desse valor quanto a Nordstrom. A inovação como valor básico pode ser comum a muitas empresas, mas poucas criam mecanismos de adesão tão poderosos para estimular inovações como a 3M. A autenticidade, a disciplina e a coerência com que essa ideologia é vivida – e não seu conteúdo – diferenciam as empresas visionárias das outras.
A descoberta da ideologia central na visão estratégica permite na empresa o pensamento corporativo ou como diria Pierre Bourdieu, verdadeiramente ‘pensée unique’, pensamento único. Além da própria sobrevivência física, da satisfação das necessidades primárias e até mesmo acima do imperativo que o mercado realiza de auto-afirmação, uma ideologia clara e bem articulada atrai para a empresa profissionais com valores pessoais compatíveis com os valores básicos corporativos e afasta outros.
Para finalizar, não se deve misturar ideologia central com competência essencial. Competência essencial é um conceito estratégico que define a capacitação da empresa, aquilo no que ela é particularmente boa -, ao passo que a ideologia central abarca os valores abraçados pela empresa e a razão de sua existência. As competências essenciais devem ser alinhadas com a ideologia central da organização e muitas vezes estão enraizadas nela, mas não é a mesma coisa. Por exemplo, a Sony tem a competência essencial da miniaturização: uma força que pode ser estrategicamente aplicada a uma vasta gama de produtos e mercados. Mas não tem como ideologia central a miniaturização. Pode ser que, dentro de cem anos, a miniaturização nem faça parte da estratégia da Sony, mas, para continuar a ser uma grande empresa dentro de cem anos, ela precisará manter os mesmos valores básicos descritos no Sony Pioneer Spirit e a mesma razão fundamental de ser, ou seja, uma empresa voltada para o avanço tecnológico em benefício do público em geral.
Não podemos confundir a ciência das idéias, com a movimentação das idéias, mais ainda, as empresas do século XXI têm cada vez menos domínio sobre a sua ideologia central, o que tem levado a cometerem verdadeiros crimes na sua competência essencial. O domínio da ciência das idéias, a ideologia, não é menos ou mais importante que qualquer outra, ela existe queiramos ou não queiramos. Pensar ideologicamente é um sentimento nato ao ser humano. Quer dizer, pode estar se dando por acaso na sua empresa, ou pode ser um contrato entre o interesse de todos, porque reflete a “experiência de vida pensado”. De fato, o pensamento reflete a experiência de vida do seu autor. A ideologia é um fenômeno natural. Não é má, não é boa, mas simplesmente é o que é: um fato natural. Como diz Frederick WATKINS, a ideologia constitui algo que sempre esteve e sempre estará conosco.
“A ideologia é contato com os valores naturais e reais de cada empresa”
Autor: Paulo Ricardo Silva Ferreira – Educador Facilitador. Presidente do Instituto Eckart Desenvolvimento Humano e Organizacional. Doutorando em Ciências Empresariais pela Universidade de Leon/Espanha, administrador de empresas, curso de psicologia, pós-graduado em administração hospitalar.
Redator: Sander Machado – Profissional de comunicação, redator. Coordenador do Núcleo Celebração do Instituto Eckart. Diretor Criativo da ILê Comunicação.