Teletrabalho pode cair em vácuo jurídico com encerramento de vigência da MP

Teletrabalho pode cair em vácuo jurídico com encerramento de vigência da MP

Norma pode caducar no início de agosto e lançar o país numa disputa sem regras sobre o direito de receber horas extras no home office e outros serviços remotos

A Medida Provisória 1.108, chamada de MP do Teletrabalho, corre um sério risco de perder seu prazo de vigência no início de agosto, o que segundo especialistas colocará em risco várias inovações e criará um verdadeiro vácuo jurídico no que se refere à regulamentação do trabalho a distância.  

Uma das principais questões se relaciona ao controle da jornada. Antes da edição da MP o teletrabalho era regido integralmente pela Reforma Trabalhista (Lei 13.467/2017) e estava inserido no rol de empregados que não estavam sujeitos ao controle de jornada, ou seja, os trabalhadores não teriam direito a receber horas extras mesmo que seus expedientes fossem superiores a oito horas diárias. 

Ocorre que a MP 1.108 alterou a definição de teletrabalho e criou duas categorias até então inexistentes: o teletrabalho “por produção” e o “por tarefa”. Segundo a MP, apenas os profissionais enquadrados nestas duas modalidades estariam isentos do controle de jornada.

Desta forma, os empregados submetidos ao teletrabalho e que não trabalham “por produção” ou “por tarefa” passaram, de uma hora para a outra, a ter o direito de receber horas extras no caso de ultrapassarem a jornada diária de oito horas. 

O advogado do escritório Juveniz Jr Rolim Ferraz Advogados e professor universitário Gabriel Henrique Santoro, por exemplo, alerta para o fato de que essa situação poderá gerar uma insegurança muito grande para as empresas, pois, se a MP “caducar” o teletrabalho mergulhará em um grande vácuo jurídico. 

O motivo é que a perda da vigência da MP não trará de volta ao ordenamento jurídico as alterações que haviam sido criadas pela Reforma Trabalhista. Assim, será muito complicado saber se os trabalhadores submetidos ao teletrabalho continuarão a ter o controle de jornada ou, se permanecerão excluídos deste controle – como era antes da entrada em vigor da Medida Provisória. 

Segundo Santoro, os juízes e advogados que vão atuar em causas relacionadas ao assunto terão dificuldades em saber o que está em vigor.  “O que acontecerá com os contratos que foram assinados antes da MP? E os que foram assinados durante a vigência da MP? Como vai ser o parecer jurídico das empresas? Como a empresa vai ter segurança de que aquilo que ela assumiu vai valer depois que a MP perder a vigência?  Os juízes vão considerar, para efeito de condenação em horas extras, que os empregados que laboram em teletrabalho estão livres do controle de jornada ou não?” questiona.

De acordo com ele, todas essas perguntas ficarão sem respostas, criando insegurança jurídica e alimentando decisões possivelmente contraditórias, o que na prática empurraria todo o risco para os empresários. “Para evitar essa indefinição, o Congresso Nacional pode elaborar um decreto legislativo para regulamentar a matéria. Caso isso não aconteça a situação ficará ainda mais confusa”, explica Santoro.

Já o CEO da Otimiza, fintech especializada em benefícios corporativos, Anderson Belem, teme que a perda de vigência da MP jogue por terra algumas importantes inovações trazidas por ela ao setor de benefícios trabalhistas. A principal delas se relaciona ao artigo 3°, segundo o qual, o empregador, ao contratar pessoa jurídica para o fornecimento do auxílio-alimentação, não poderá exigir ou receber qualquer tipo de deságio ou imposição de descontos sobre o valor contratado e nem praticar prazos de repasse ou pagamento que descaracterizem a natureza pré-paga dos valores a serem disponibilizados aos trabalhadores.

Segundo ele, a presença destas proibições em uma normatização com peso de lei é fundamental para incentivar o processo de abertura do mercado. Isso porque a possibilidade de oferecer uma espécie de deságio aos compradores e a permissão para pagamentos parcelados criavam uma espécie de reserva de mercado para players como Alelo (Bradesco e BB), Sodexo e Ticket (Itaú), já que essas empresas são suportadas por grandes instituições financeiras capazes de desenvolver operações feitas nestes termos.

Belem argumenta que as definições trazidas pela MP colocam definitivamente todas as empresas interessadas em operar este serviço em igualdade de competição. Desta forma, elas encorajam startups e empresas tech, que possuem soluções customizadas para trabalhadores, a participarem deste ecossistema com investimento.

“O resultado desta livre competição apontava para a geração de empregos, mais modernidade para a atividade, economia para as empresas e atendimento de qualidade às necessidades do trabalhador. Por isso a revogação desta legislação seria um verdadeiro retrocesso para o setor”, afirma.