Por Gabriel Henrique Santoro (*)
O Supremo Tribunal Federal tem uma chance ímpar de reparar a distorção que foi criada por ele próprio no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5.766, que declarou inconstitucional os artigos da CLT que obrigavam o trabalhador beneficiário da justiça gratuita a pagar honorários periciais e sucumbenciais quando derrotados no processo, desde que tivessem obtido algum proveito econômico na ação.
A decisão da Suprema Corte na referida ADI, além de trazer insegurança jurídica, incentiva o litígio irresponsável, uma vez que retira qualquer ônus econômico do trabalhador que sucumbe no processo. Volta-se, portanto, a era do vale tudo processual.
A chance de amenizar os impactos negativos da referida decisão surge com a Ação Direta de Constitucionalidade nº 80 (ADC), a qual busca dar efetividade ao artigo 790, §§3º e 4º, da CLT.
Art. 790. Nas Varas do Trabalho, nos Juízos de Direito, nos Tribunais e no Tribunal Superior do Trabalho, a forma de pagamento das custas e emolumentos obedecerá às instruções que serão expedidas pelo Tribunal Superior do Trabalho.
[…]
§ 3º É facultado aos juízes, órgãos julgadores e presidentes dos tribunais do trabalho de qualquer instância conceder, a requerimento ou de ofício, o benefício da justiça gratuita, inclusive quanto a traslados e instrumentos, àqueles que perceberem salário igual ou inferior a 40% (quarenta por cento) do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social.
§ 4º O benefício da justiça gratuita será concedido à parte que comprovar insuficiência de recursos para o pagamento das custas do processo.
O objetivo da ADC é fazer com que o Supremo Tribunal Federal declare que a parte na Justiça do Trabalho só será agraciada pelos benefícios da justiça gratuita se receber salário igual ou inferior a 40% do limite dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social ou, no caso de receber mais, se comprovadamente demonstrar a insuficiência de recursos financeiros para custear o processo.
A celeuma posta à análise da suprema corte decorre do fato de os Juízes e Tribunais Trabalhistas aceitarem como comprovação da insuficiência de recursos a mera declaração escrita de hipossuficiência do empregado.
Tal entendimento, inclusive, está positivado na Súmula 463 do Tribunal Superior do Trabalho: “A partir de 26.06.2017, para a concessão da assistência judiciária gratuita à pessoa natural, basta a declaração de hipossuficiência econômica firmada pela parte ou por seu advogado, desde que munido de procuração com poderes específicos para esse fim (art. 105 do CPC de 2015)”.
Com todas as vênias, mas o entendimento que vem sendo adotado na esfera trabalhista é equivocado e vai de encontro ao texto legal celetista.
Ora, não há dúvida de que o legislador reformista de 2017 alterou o artigo 790 da CLT para deixar claro que a justiça gratuita só será concedida nas duas situações que foram citadas alhures: empregado que recebe até 40% do limite dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social ou que comprovar a insuficiência de recursos para custear o processo.
Não nos parece que a expressão “comprovar insuficiência de recursos para o pagamento das custas do processo” seja satisfeita com uma mera declaração por parte do trabalhador. Se a intenção do legislador fosse no sentido de aceitar a mera declaração como prova insofismável da miserabilidade da parte, certamente que a redação do artigo celetista seria uma cópia do artigo 99, §3º, do CPC, o qual prevê expressamente que “Presume-se verdadeira a alegação de insuficiência deduzida exclusivamente por pessoa natural”.
Caso o Supremo Tribunal Federal se manifeste pela constitucionalidade do art. 790, §§3º e 4º da CLT, decerto que os Juízes e Tribunais Trabalhistas passarão a exigir mais do que a mera declaração do trabalhador para conceder o benefício da justiça gratuita. A juntada da declaração de imposto de renda, de contas pessoais do empregado e de seus familiares, da planilha de gastos mensais da família e etc., poderão ser utilizadas para comprovar a insuficiência de recursos da parte.
Se o trabalhador que receber mais do que 40% do limite dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social não conseguir comprovar a situação de vulnerabilidade econômica o benefício da justiça gratuita será indeferido e, como consequência lógica, caso derrotado no processo, o obreiro será condenado a pagar honorários periciais e de sucumbência, além das custas processuais.
Por vias tortas, o Supremo poderá recolocar nos trilhos o processo do trabalho e trazer novamente o senso de responsabilidade processual às partes que se valem desta Justiça Especializada.
(*) Gabriel Henrique Santoro é advogado no escritório Juveniz Jr Rolim Ferraz Advogados e professor universitário.