Sinop, 2040: a utopia possível

Sinop, 2040: a utopia possível

Mobilizar um município do Agro brasileiro em torno de um grande sonho. Eis, em síntese, a missão deixada pelo legado Alysson Paolinelli: corporificar uma visão de Estado revolucionária, cujo propósito principal é alinhar os interesses das Nações desenvolvidas com as do mundo tropical. Como fazer isso num ambiente global desgovernado, polarizado, imprevisível? A receita de Paolinelli é construir modelos para demonstrar, em pequena escala, que estamos falando de uma utopia possível, realizável: fazer com que o Agro Tropical elevado à categoria de Bioeconomia ocupe um espaço de liderança sustentada e sustentável como parte de um novo ciclo de expansão da economia mundial – o “Terceiro Salto”.

Para isto, é indispensável que os modelos comprovem que esse pacto vai gerar produção de bem-estar, riqueza a partir da democratização de conhecimentos (com impacto direto na redução do fluxo da migração forçada Sul-Norte) e que ao mesmo tempo seja capaz de dar respostas concretas para os desafios incontornáveis do nosso tempo e das próximas décadas: a insegurança alimentar e energética; as mudanças climáticas e a desigualdade social.

Com estas ideias básicas e com o apoio do Banco Mundial – parceiro de primeira hora do sonho de Paolinelli – concluímos a primeira etapa do Projeto de implantação do Polo Global de Bioeconomia Sustentável, Inclusiva e Saudável da Amazônia, em Sinop. Não foi simples. E não o será. Da mesma forma que na cena internacional, as articulações complexas aqui envolvem várias dimensões de interesses e de compreensão. Mas, em Sinop, o engajamento determinado das lideranças produtivas e dos pesquisadores locais abriu janelas de perspectivas antes impensáveis.

Sim, podemos ir muito longe.

Sinop pode se transformar no primeiro “Biomunicípio” tropical. Não é pouco. Vejam o amplo leque de possibilidades: 

As soluções urbanas baseadas na natureza

As Soluções Baseadas na Natureza (SBNs) são ferramentas que possibilitam à gestão pública e privada uma atuação eficiente e transformadora na qual a infraestrutura natural faça parte de uma estratégia que produza cidades mais inteligentes, mais resilientes e que ofereçam oportunidades de renda e empregos dignos e sustentáveis.

A Base Agrícola

Os Programas de Bioeconomia são movidos pelos “insumos de base biológica”. Em outras palavras, pelos produtos da agricultura, quando deixam de ser mera matéria-prima (commodity) para operar como fator crítico da universalização do desenvolvimento sustentável.

Portanto, um Polo Global da Bioeconomia só fará sentido se forem dadas as condições estruturantes para viabilizar e otimizar o funcionamento do setor agrícola. No caso Sinop, o principal gargalo apontado pelos atores locais situa-se no campo da logística, face aos sistemas precários de escoamento de safras existentes.

Nesse sentido, o Fórum do Futuro aproximou do Projeto do Polo Global, via UNESIN (União das Entidades de Sinop) a Porto Central, empresa gestora do mais ambicioso projeto de logística em implantação no Brasil. Já estão sendo implementados: um porto no Espírito Santo com capacidade instalada duas vezes maior do que a de Santos; uma ferrovia (batizada de “Alysson Paolinelli”) ligando Minas Gerais às instalações portuárias.

A Porto Central quer ser uma alternativa logística para Sinop.

Outro aspecto estruturante é a proposta de inclusão digital. Apenas 10% das unidades produtivas de Sinop têm acesso à Internet, o que situa o Polo digital proposto originalmente pela Presidente da Embrapa, Silvia Massruhá, no eixo central da questão de universalização de oportunidades num mundo em acelerada transformação.

Infraestrutura Verde

A infraestrutura verde, uma das aplicações das SBN, vem sendo usada em diferentes regiões do mundo. Por meio da implantação, manutenção ou recuperação de áreas verdes em pontos estratégicos das cidades, por exemplo, cria-se um sistema natural capaz de absorver a água da chuva, filtrar sedimentos do solo e reduzir custos com saneamento e saúde pública.

Alysson Paolinelli apregoava como prioridade absoluta a preservação das “áreas de recarga dos lençóis freáticos”, como base da estratégia de “produção de água”.

Um estudo coordenado pelo WRI Brasil, publicado em 2018, mostrou que o aumento da cobertura florestal em 8% no Sistema Cantareira, na capital paulista, poderia reduzir em 36% a sedimentação. As áreas verdes impedem que mais sedimentos cheguem aos rios e às estações de tratamento. A infraestrutura natural melhora o desempenho financeiro das empresas de saneamento ao reduzir o custo de tratamento da água. Em Sinop, ao lado de programas já existentes de ampliação da cobertura florestal e de gestão do lixo urbano, esse efeito poderia ser ampliado muitas vezes através do Planejamento da Economia Circular e da Gestão Integrada de Resíduos, de Reúso e de identificação de oportunidades econômicas oriundas das iniciativas de preservação.

Por exemplo, o importante Teles Pires, no lugar de destino de esgotos com tratamento limitado, pode oferecer um robusto potencial de usos socioeconômicos múltiplos: psicultura, pesca esportiva, turismo gastronômico, etc… Precisamos quantificar, valorar, as oportunidades sócio econômicas resultantes do qualificado uso dos recursos naturais.

Planejamento Urbanístico e Construção Civil

Parceiras do Projeto Sinop, a EDB (produz poliuretano vegetal a partir de óleo de soja) e a Weber Ambiental abrem gigantescas possibilidades de inovação e reúso de materiais no setor da construção civil. Casas de soja, estruturas rurais de armazenamento feitas com poliuretano vegetal, utilização de novas tecnologias; redução de desperdícios; Identificação Novos Materiais.

A tecnologia trazida pela Weber é tão ousada que possibilita transformar lixo em combustível para aviação. E foi na perspectiva de somar as diversas ações setoriais que já existem que a empresa se candidatou a compor o corpo de mantenedoras da UNESIN.

Planejamento Estratégico do Uso de Biocombustíveis

A estrutura de preços originada no Estado brasileiro tradicionalmente favorece os combustíveis fósseis, na medida em que a decisão de compra os consumidores é fortemente influenciada pelos fatores preço e conveniência, em detrimento da sustentabilidade. É assim no mundo todo. Mas, em Sinop pode ser diferente.

A articulação de uma estratégia integrada de promoção do uso do biocombustível na gestão pública e privada (nos ônibus e veículos públicos, nos tratores das fazendas, no transporte escolar e pessoal…) pode fazer Sinop exibir uma experiência de impacto global: enquanto 90% da economia mundial continuam movidos a Petróleo, nosso desempenho municipal pode ser muito melhor.

A produção de etanol de milho e de biodiesel de soja para transportes coletivos e tratores agrícolas pode ser objeto de incentivo tributário por parte do estado. A medida favorece e justifica o papel inovador e visionário que a Caramuru Alimentos e a Inpasa já exercem na região. 

Pode-se imaginar o impacto internacional de uma iniciativa que é uma resposta direta e cabal às questões levantadas pelo debate global.

Legitimar a atividade do Agro Tropical não foi possível com propaganda e marketing. Mas, exemplos inquestionáveis como esse são uma oportunidade histórica de expressar aquilo que o Agro Tecnológico brasileiro referenciado em Ciência pode oferecer ao mundo.

Planejamento da Industrialização e de Serviços da Bioeconomia

Sabemos que é fundamental uma base agrícola consolidada e estruturada. Afinal, a matéria-prima da Bioeconomia são os “insumos de base biológica”, em outras palavras o produto agrícola. Muda, porém, o foco estratégico: no lugar de mirar a exportação de commodities como objetivo exclusivo, a Bioeconomia prestigia alternativas de investimento que estimulem a agregação de valor no local e diminuam as ameaças e riscos que o Agro brasileiro enfrenta diante da dependência dos preços praticados no mercado das commodities.

Na visão prospectiva, permitir que a saúde econômica e financeira do setor seja governada pelo desempenho da bolsa de Chicago é abrir mão de escolher a qualidade do nosso próprio futuro.

O Projeto Sinop traz uma oportunidade histórica: o casamento dos interesses da potência econômica do Agro Nacional com a visão e as expectativas dos consumidores urbanos. Esta é a plataforma que pode assegurar a liderança brasileira no mercado da Bioeconomia mundial, que somente em 2023 movimentou US$13,5 Trilhões, contra US$5 Trilhões da cadeia dos combustíveis de origem fóssil.

É quando a soja se transforma em mais de mil produtos industriais, verdadeiros diplomatas que podem representar os interesses do Agro no diálogo urbano. Sinop abre uma nova janela de esperança para o Brasil e para o mundo.

A mobilização colaborativa integrada em Rede exige humildade, empatia, valorização de cada ator e muita fé no futuro do Brasil.

Esperança, porém, não é estratégia. Pavimentar esse novo caminho vai exigir muito trabalho, colaboração e compreensão entre todos os envolvidos.

Vamos sonhar juntos.

*Cesar Borges de Sousa é CEO do Instituto Fórum do Futuro, Presidente da Rede Soja Sustentável, Presidente do Instituto Soja Livre, CEO da EDB – (Casas de Soja) e acionista e membro do Conselho Deliberativo da Caramuru Alimentos