Por Fernando Guimarães, CEO da Stone Age
Apesar de as projeções para o mercado de crédito no Brasil terem registrado uma melhora expressiva para 2023, a questão da inadimplência segue cada vez mais preocupante para a indústria financeira. De acordo coma a Pesquisa FEBRABAN de Economia Bancária e Expectativas, a expansão da carteira total de crédito subiu de 6,9% para 8,0% em 2023. Por outro lado, estudos como a Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor, realizada pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) e trabalhos como os publicados recentemente pela Serasa Experian revelam dados como a existência de aproximadamente 80% da população endividada, com quase 67 milhões de pessoas com dívidas em atraso no Brasil.
O assunto é considerado tão estratégico para as pretensões de crescimento econômico do país que foi alvo inclusive de promessas de campanha dos candidatos na última eleição presidencial. Com a conhecida superficialidade de quem parece ter todas as respostas quando está do lado de fora, mas sem a necessária ligação com a realidade de quem tem a responsabilidade de tomar decisões, alguns candidatos apresentaram soluções aparentemente fáceis para solucionar o problema de uma hora para outra, como num passe de mágica.
Ocorre que o passado econômico do Brasil registra dramas como a hiperinflação que servem para lembrar que mágicas não existem neste setor. Desta forma, resta apostar todas as fichas nas alternativas que efetivamente tiveram resultado no passado que são o uso intensivo de tecnologia e muita criatividade.
Neste sentido, o primeiro passo é levar em conta que o aumento da vulnerabilidade financeira causada pela pandemia colocou um contingente imenso de pessoas na necessidade de lutar para atender às necessidades financeiras básicas. Para se adaptar a este cenário, os modelos de risco de crédito estão mudando fundamentalmente. De acordo com o Gartner, os provedores estão adotando critérios mais holísticos para avaliar os clientes além dos fatores financeiros. Uma das consequências é o uso de IA e outras tecnologias para complementar os novos modelos de risco de crédito.
Pela falta de instrumentos mais abrangentes como o Cadastro Positivo e o Open Banking que somente em 2022 começaram a se consolidar, a cultura da concessão de crédito no Brasil se desenvolveu em torno das informações negativas. Significa que ao buscar referências para tomar a decisão sobre a concessão ou não do empréstimo, as empresas se baseavam apenas na inadimplência, ou seja; se o consumidor já havia deixado de pagar alguma conta, por quanto tempo e de qual valor.
Com esses novos instrumentos e as tecnologias emergentes, agora as empresas têm condições de levar em conta também as informações positivas.
Ou seja; o consumidor pode se beneficiar ao fornecer informações sobre suas compras bem-sucedidas. Mesmo que tenham ocorrido transações informais, ou seja, sem registro no sistema financeiro, pagas com dinheiro em espécie, por exemplo, o consumidor tem vantagem em informar sobre a ocorrência destas operações pois isso ajudará a instituição financeira a saber que ele tem condições de arcar com as despesas até determinado nível e que tem a responsabilidade social suficiente para arcar com seus compromissos.
A lógica da concessão de crédito se baseia em observar o passado, considerar o presente e projetar o futuro. Desta forma, parcelamentos longos e de valores altos, indicam que o cliente tem a estabilidade suficiente para arcar com despesas de um nível mais elevado por um tempo maior. Este tipo de cliente é quase sempre considerado um cliente preferencial para o produto crédito e tende a receber as melhores notas nos scores. Mas, novamente, o que o consumidor deve ter em mente é que atualmente as empresas concessoras de crédito têm condições de avaliar todo tipo de operação. Então, quanto mais informações o cliente fornecer em termos de seu comportamento de consumo e crédito, melhores serão suas chances de obter classificações mais elevadas nos scores.
O Gartner salienta que alguns bancos agora avaliam os clientes com base em seus perfis de mídia social. Ao analisar os perfis dos clientes em plataformas como Linkedin e Facebook, os bancos podem avaliar as características dos clientes, como fidelidade à marca, confiabilidade, consciência, ética de trabalho e relacionamentos com amigos e familiares.
Certamente a condição financeira e dívidas não quitadas continuarão exercendo grande relevância na análise de risco de crédito, mas a ampliação das formas de análise permitirá que, aos poucos, a concessão de crédito seja ajustada segundo as reais possibilidades de cada tipo de consumidor.
Desta forma, a médio e longo prazo é possível esperar que os índices de inadimplência sejam reduzidos e a expectativa positiva deste indicador siga na direção positiva das projeções para a concessão de crédito.