Por Luciano Camargo Neves (*)
Desde que foram criados como mais uma manifestação da transformação digital que vem modificando a estrutura da indústria financeira nos últimos anos, os chamados empréstimos peer-to-peer, ou P2P, se mostraram atraentes em todo o mundo.
Um dimensionamento sobre as perspectivas deste segmento foi apresentado em agosto pela consultoria Research And Markets em seu relatório “Peer to Peer (P2P) Lending Market: Global Industry Trends, Share, Size, Growth, Opportunity and Forecast 2022-2027”. O estudo afirma que o mercado global de empréstimos P2P atingiu um valor de US$ 112,9 bilhões em 2021 e deve chegar a US$ 525,3 bilhões até 2027, o que significará um ritmo anual de crescimento de 28,1% durante os próximos cinco anos.
O principal apelo deste tipo de operação é promover a desintermediação bancária na relação entre quem concede o crédito e quem toma o recurso emprestado. As plataformas tecnológicas dedicadas ao setor fazem a ligação direta entre as duas partes e essa desburocratização do processo tem como objetivo gerar ganhos maiores do que outras formas de aplicação aos investidores e custos menores para os tomadores de empréstimo.
No Brasil, essa modalidade foi oficialmente regulamentada em 2018, quando o Banco Central estabeleceu a criação das Sociedades de Empréstimo entre Pessoas (SEP). Com a conhecida concentração bancária do país por um lado e a dificuldade de acesso a crédito das empresas por outro, como era de se esperar, o P2P também deu sinais inequívocos de crescimento acelerado com o surgimento de, pelo menos, nove plataformas dedicadas ao setor.
Especialmente na época em que a taxa de juros estava baixa, o P2P surgia realmente como uma grande oportunidade para os investidores. Afinal, neste cenário, o dinheiro aplicado em alternativas de renda fixa não alcançava o rendimento desejado, mesmo debentures de empresa com mais risco não trazia um retorno desejado. A Bolsa, por sua vez, oferecia riscos elevados e nesse contexto, o P2P trabalhava com uma fórmula de rentabilidade para o investidor mais atraente pois acessava o mercado de pequenas e médias empresas que pagam um prêmio over CDI, bem mais elevado que as empresas que acessam o mercado de renda fixa tradicional, que era o tipo de vantagem que o investidor mais arrojado estava procurando.
Ocorre que com a Selic na casa dos 13,75% a.a., a vantagem relativa do investimento em P2P diminui, já que outras aplicações no mercado de renda fixa tradicional oferecem ganhos satisfatórios aos investidores com um nível de risco inferior.
Isto porque, apesar do mérito de estar levando companhias menores para o mercado de crédito direto, as plataformas P2P têm como um dos principais desafios a necessidade de aprofundar a qualidade dos dados para avaliação de risco. Uma grande parcela das startups e PMEs que buscam crédito neste tipo de empreendimento são companhias que não possuem, por exemplo, um balanço auditado ou uma estrutura de governança robusta.
A saída nestes casos é a criação de algoritmos que se baseiam na movimentação financeira dos últimos 12 ou 24 meses das empresas para fazer as análises. Mas, independentemente do quanto esse tipo de estratégia possa ser assertiva, o fato é que o risco da operação é totalmente do investidor.
Outra forma que as plataformas P2P utilizam para mitigar o risco das operações é buscar garantais reais das empresas, como um imóvel, terreno ou mesmo uma parte do valor em aplicação financeira.
As plataformas se esforçam para ajudar em caso de inadimplência, na tentativa de reaver os valores investidos. Elas podem tentar protestar o título, por exemplo, ou executar uma nota, mas em última instância, quem vai ficar sem o dinheiro é o investidor.
Desta forma, para encarar este tipo de risco, é necessário que a possibilidade de ganho relativo seja bem maior do que outras opções oferecidas pelo mercado, o que a Taxa Selic nos patamares atuais não permite.
(*) Luciano Camargo Neves é economista e sócio da BeeCap