A capacidade organizacional de dados apresentada pela Inteligência Artificial é o assunto do momento em todo o mundo. Alavancada pelo estrondoso sucesso do ChatGPT, que surpreendeu o mercado ao conseguir responder perguntas e atender solicitações com altíssimo grau de precisão somente através de uma rápida busca em seu banco de dados, a discussão em torno da IA e as consequências de sua aplicação passou a ser prioridade em praticamente todos os setores da sociedade.
No universo jurídico, no entanto, essa relação acabou sendo alvo de debate e questionamentos bem antes mesmo da popularização do ChatGPT. Ainda em 2019, a França causou polêmica ao banir certos tipos de análises das decisões dos juízes, com base em dados. A justificativa apresentada pelo governo afirmava que a vedação dessas informações serviria para que a tecnologia não conseguisse construir perfis individualizados dos magistrados, evitando assim o controle sobre suas decisões.
Passados três anos, o assunto voltou à tona em diferentes partes do mundo, precisamente após o fenômeno do ChatGPT. Usando uma base colossal de informações, a ferramenta passou a ser usada por legaltechs de todo planeta para contribuir em suas análises jurídicas. Esse movimento acabou sendo rapidamente contido nos países com políticas mais autoritárias, como China, Coréia do Norte e Rússia. Porém, a proibição chegou a atingir até mesmo alguns países ocidentais, caso da Itália, onde a plataforma acabou banida momentaneamente por conta de falhas na proteção de informações pessoais dos usuários.
Vantagens e riscos
É fato que a maneira simplificada com que os dados estão sendo organizados e repassados por essas ferramentas baseadas em inteligência artificial, sobretudo o ChatGPT, já deu início a uma transformação sem precedentes nos procedimentos dentro de tribunais, escritórios de advocacia e departamentos jurídicos das empresas.
Tarefas repetitivas como a criação e revisão de documentos – incluindo peças processuais e contratos – já podem ser desenvolvidas de maneira muito mais célere e assertiva dentro da plataforma, economizando tempo e esforço. Mais do que isso, a ferramenta pode ser treinada para responder perguntas frequentes sobre a área, contribuindo para que os profissionais consigam descomplicar a linguagem jurídica e estejam liberados a se concentrar em questões mais complexas do dia a dia.
Outro benefício é o fator jurimetria, tendo em vista que a inteligência artificial consegue potencializar as análises de uma grande quantidade de dados. Dessa forma, ela permite que a análise seja ainda mais ampla e aprofundada, gerando informações preditivas úteis para a tomada de decisões e a elaboração de estratégias jurídicas.
Por outro lado, não há como desconsiderar os riscos que ainda acompanham o ChatGPT. Uma dessas falhas são as chamadas alucinações. Treinado a responder qualquer pergunta ou solicitação, muitas vezes a ferramenta acaba encontrando dificuldades na hora de interpretar a melhor resposta para a indagação proposta. Como consequência, a plataforma “inventa” uma solução totalmente equivocada e desconexa.
Essa imperfeição da IA pode trazer implicações muito graves, sobretudo quando estamos falando do setor jurídico. Prova disso ocorreu há pouquíssimos dias nos Estados Unidos. Durante um processo contra uma empresa aérea, advogados apresentaram casos similares para a defesa. No entanto, os cenários relatados, que foram pesquisados através do ChatGPT, eram todos falsos e originários das alucinações da inteligência artificial.
Uma outra questão que ainda gera muitas dúvidas é com relação a origem dos dados usados pelos algoritmos. Aliás, não só a procedência está em xeque, mas também, como essas informações são manipuladas pela IA. Assim, questionamentos quanto a curadoria e os vieses e tendências que esses dados carregam consigo ainda acompanham muito de perto o ChatGPT. Tanto é que Elon Musk, um dos fundadores da OpenAI em 2015, empresa responsável pelo desenvolvimento do serviço, tem adotado um tom crítico com relação à transparência após o sucesso inicial da plataforma.
Curiosamente a resposta para este problema pode estar em uma outra tecnologia: Blockchain. Baseado em um banco de dados descentralizado que usa criptografia para registrar transações de forma transparente e imutável. As transações são verificadas por meio de um consenso de rede e, uma vez registradas, não podem ser alteradas. Dessa forma, ela permite que soluções como o ChatGPT atuem de forma mais transparente ao usuário.
A verdade é que ainda estamos longe de ter um veredito sobre o real impacto que o ChatGPT irá provocar no universo jurídico. O que já podemos afirmar com clareza, é de que o serviço precisa dar maior transparência sobre a origem dos dados e, assim, evitar desconfianças sobre eventuais manipulações. Só assim o segmento terá condições seguras para adotar a IA de maneira massiva. Afinal, independente de quem utiliza, de como se dará o seu uso ou da sua finalidade, no fundo tudo é sempre uma questão de origem dos dados e de como eles são tratados.
*Matheus Bombig é cofundador da Invenis, startup que detém um conjunto de soluções jurídicas com o propósito de ajudar a resolver os litígios do Brasil. Também é cofundador e conselheiro da Associação Brasileira de Lawtechs e Legaltechs (AB2L) e cofundador do Surf Junkie Club.