Em um país como o Brasil, que tem cerca de 230 milhões de smartphones ativos, segundo a FGV para uma população de 210 milhões de habitantes (IBGE), seria natural que a tecnologia transformasse o modo como fazemos algumas coisas, especialmente as transações financeiras. No entanto, o pagamento em dinheiro ainda é o método preferido dos brasileiros. Segundo o Brazil Digital Report, da consultoria McKinsey, 47% das transações no País são feitas em dinheiro. Cheque, cartão de crédito e cartão de débito seguem com 22%, 18% e 12%, respectivamente, de todas as transações. Mas a vigência dos pagamentos instantâneos, prevista para acontecer ainda neste ano no Brasil, pode começar a mudar essa realidade, caso o país consiga superar os desafios inerentes à implantação desse novo modelo.
Liderado pelo Banco Central (BC), o pagamento instantâneo – batizado recentemente de PIX – promete avanços que tendem a mudar a dinâmica do mercado financeiro brasileiro. O novo sistema proporcionará às pessoas e empresas mais agilidade e rapidez nas transações de compra via QR Code ou NFC (Near Field Communication), porque a tecnologia permitirá transferência de valores em tempo real, com disponibilidade de 24 horas por dia, sete dias por semana. O modelo, que também será utilizado para transferências entre contas, pode substituir progressivamente as tradicionais movimentações de TED e DOC. Esse tipo de operação tende ainda a gerar outros benefícios, como disponibilidade ininterrupta, velocidade nas transações, facilidade de uso, mais controle sobre o fluxo de caixa já que tudo será registrado eletronicamente, entre outros. No entanto, ainda é preciso encontrar um equilíbrio para que o novo modelo seja vantajoso economicamente para todos os participantes desse ecossistema.
A indústria financeira como um todo, incluindo as instituições de meios de pagamentos, fazem grandes investimentos para captação de clientes e criação de proposta de valor. São inúmeros os aportes em tecnologias diversas para manter sua agilidade, variedade e velocidade dos serviços. É claro que o pagamento instantâneo pode trazer novos agentes para o mercado e gerar novas opções de receitas decorrentes de novos negócios não capturados anteriormente pela indústria de pagamento, afinal, com o PIX, está prevista a inclusão do campo de identificação da transação. Com essa informação, cada operação de compra passa a ser única e possibilita um salto no processo de conciliação e gestão das transações. Porém, é preciso estabelecer padrões que interessem a todas as partes, caso contrário, o sistema não irá florescer.
Importante ressaltar ainda que as empresas de meios de pagamentos fornecem para os estabelecimentos e clientes outras atividades, como acesso, conciliação, controle, atendimento para casos de disputa de transações. Tudo isso também precisa ser considerado na hora de remunerar o serviço, porque qualquer projeto que não dê o devido retorno para todos os elos dessa cadeia tende a encontrar barreiras para crescer no tempo necessário, vide o que aconteceu com o Open Banking no Reino Unido, por exemplo. Havia uma grande expectativa de crescimento desse modelo na região. No entanto, sua adesão não cresceu no ritmo desejado.
Quase 12 meses após sua adoção do Open Banking no Reino Unido, uma pesquisa realizada pela Splendid Unlimited (empresa que ajuda varejistas e bancos se projetar nas plataformas digitais), revelou que apenas 9% dos adultos utilizavam o Open Banking, uma a cada quatro pessoas apenas ouviu falar, e quatro a cada cinco pessoas nem sabiam o que era. Ao que tudo indica, não houve uma definição muito clara do preço do repasse da informação que os bancos eram obrigados a arcar, considerando todos os investimentos feitos para a captação e manutenção dos clientes. Ou seja, no final das contas, não trazia vantagem financeira para os bancos participarem, porque não pagavam os custos.
É muito importante enaltecer o ótimo trabalho que o Banco Central vem realizando com o PIX, criando e investindo em um processo bem estruturado e de alta disponibilidade, que melhora a transferência de pagamento no mercado brasileiro à medida que esse modelo passa a ser 24×7. Agora é hora de trabalharmos em um padrão que encontre o equilíbrio econômico entre todos os participantes para que sua adoção seja mais rápida, e propicie a inclusão de novos agentes no mercado, trazendo mais competividade, inovação e benefícios, seja para as instituições envolvidas e a sociedade como um todo.
*Fábio Murakami é diretor de Produtos da Hub Fintech