*Felipe Calixto
A frase de que o Home Office veio para ficar, está na boca de todo CEO. Não dá para negar os benefícios que o trabalho remoto está trazendo para empresas e funcionários de quase todos os segmentos do mercado, como redução de custos e aumento de produtividade. Mas é preciso se atentar também ao que estamos perdendo com os benefícios do trabalho presencial.
Afinal, se por um lado estamos mais felizes por não ter de pegar trânsito para ir e voltar da empresa, e satisfeitos por passar mais tempo com a família, por outro estamos mais isolados dos colegas de trabalho, e não trocamos mais experiências de maneira casual como antes. O cafezinho de cada dia agora tomamos sozinhos, na frente da tela do computador, e a experiência de socialização com outras pessoas por vezes fica limitada às reuniões virtuais, sem contato físico, sem o calor que faz o brasileiro ser conhecido em todo o mundo.
Longe de mim dizer que o Home Office é ruim, pois não é. Entre suas muitas vantagens, além do que já é sabido pela maioria dos gestores, posso incluir ainda a pontualidade com que as pessoas estão lidando com reuniões virtuais, deadlines etc., e a objetividade e o foco com que estamos tratando os assuntos corporativos. Os atrasos podem ser contornados com remarcações simples de horários, o famoso invite que bloqueia a nossa agenda, e todos podem se adaptar às demandas diárias, sem a pressão do olhar da chefia e ainda no conforto do lar. Isso para citar alguns exemplos.
Apesar disso tudo, o fator humano precisa ser levado em consideração. Percebi no meu tempo de isolamento, em casa com a família, a falta que faz ir ao escritório, olhar as pessoas nos olhos e tirar uma dúvida qualquer, ouvir suas opiniões de questões diversas, que geralmente nos inspiram e contribuem para nossas decisões. Dar bom dia sem ser para a câmera que transmite a reunião virtual com diretores e colaboradores, e sentir a sinergia que flui da relação que construímos com nossos colegas de escritório.
E sem nos darmos conta, isso também afeta a nossa criatividade. Estar em um ambiente de intensa transformação, de corre-corre, onde os barulhos das conversas e os ruídos do teclado, do telefone, das celebrações de equipes que acabaram de atingir uma meta, e até das pessoas saindo para o almoço, atiça a nossa imaginação, a nossa curiosidade.
Para atividades objetivas ficou mais evidente que alcançamos maior produtividade no Home Office, onde podemos dar mais foco ao que estamos fazendo, mas não há dúvidas de que para diversas outras atividades onde se utiliza mais da subjetividade, criatividade, colaboração e troca de experiências, que o ambiente corporativo atua como um forte estimulante.
Nesse ambiente também encontramos soluções para os problemas que vão surgindo ao longo do dia, da semana, do mês, com o colega da mesa ao lado, ou que está passando por perto. A casualidade, é sem dúvida nenhuma um dos principais atrativos de trabalharmos juntos com outras pessoas, no mesmo lugar.
Já no modelo Home Office, vejo que as pessoas se limitam a responder o que você pergunta. Isso significa que deixamos de receber os “inputs” espontâneos, que muitas vezes nos trazem insights, vindo tanto de conversas paralelas quanto de algum comentário inusitado que algum colega te endereça.
O próprio Steve Jobs já tinha percebido isso, quando desenhou o escritório do estúdio de animação da Pixar, onde ocupou o cargo de CEO, e que tinha uma área central na qual situavam banheiros, restaurante e área de lazer. De forma totalmente natural, as pessoas passaram a se encontrar, conversar e criar coisas nesse espaço, sem formalidade, sem precisar agendar uma call. Mesma estratégia que ele empregou na elaboração da sede da Apple, o Apple Park, inaugurada em 2017, seis anos após a morte de Jobs.
O escritório também é onde exercitamos a nossas habilidades sociais, de diálogo e negociação. A comunicação corporal, o contato olho no olho e o aperto de mãos, por exemplo, têm grande peso na interpretação das conversas que temos com líderes, equipe, clientes e parceiros. Além disso, nas empresas movidas pelo propósito, o fato de podermos nos relacionar e conversar diretamente com outras pessoas muda toda a nossa relação com o trabalho, nos sentimos mais próximos uns dos outros, fortalecidos em grupo e que fazemos parte de algo maior, transmitindo e entendendo melhor o sentido do nosso trabalho.
Esse sentimento de pertencimento reflete também no companheirismo e na colaboração, que germina no ambiente de trabalho presencial. Passamos não apenas a conviver, mas entender e admirar nossos líderes e colegas por suas conquistas, aprendemos e nos inspiramos com seus conhecimentos, atitudes e experiências. Enfim, existe toda uma troca de sinergia que eleva o poder da equipe, fazendo com que o resultado da capacidade mental do grupo seja muito superior à soma algébrica das mentes envolvidas.
O filósofo americano, Ralph Waldo Emerson, disse uma vez, “Suas atitudes falam tão alto que não consigo ouvir o que você diz”. Isso demonstra a força das nossas ações, como agentes moldadores da cultura corporativa. Os exemplos que passamos através de nossos comportamentos e atitudes muitas vezes falam mais alto do que a nossa própria voz, e transmitimos conhecimento, melhores práticas, de maneira muito mais efetiva, o que no modelo presencial é muito mais fácil de ser percebido.
Claro que o Home Office veio para ficar, não dá para virar às costas aos benefícios que ele traz. Mas é preciso equilíbrio para consolidar o trabalho remoto no cotidiano das companhias, e dos colaboradores. Nunca esqueça que a força motriz do seu negócio são as pessoas.
Por isso, amplie a discussão sobre as práticas e as rotinas de trabalho remoto com seus colaboradores, e não tome decisões precipitadas – como eliminar o espaço físico da empresa, por exemplo, – pois aplicar um modelo 100% Home Office, pode muito bem não ser o melhor para você e sua equipe. Nesse caso, busque opções, como revezamento dos espaços comuns, divisão do time operacional para diminuir o fluxo de gente no escritório, etc. Deixe em casa quem pode e mantenha o escritório aberto para quem precisa.
E lembre-se, respire. Não pire.
*Felipe Calixto é CEO da Sankhya