O dilema da positividade

O dilema da positividade

De alguns meses para cá tenho postado vídeos semanais no Reels do Instagram, algumas vezes com assuntos já abordados nessa coluna, outras vezes não. Um deles foi sobre o filme da Pixar, “Divertidamente”. Para quem não lembra, ou não viu, a animação se passa dentro da cabeça de uma menina de treze anos chamada Riley. Na sala de Controle e comando, os pensamentos da menina e suas atitudes são comandadas pelas Emoções Essenciais, ou Primárias: Alegria, Tristeza, Raiva, Medo e Nojo. A líder do grupo é a Alegria, sempre zelosa pela positividade da menina, que tem dois ótimos e divertidos pais, uma vida pacata e feliz em Minnesota, com amigas e destaque no time de Hockey da cidade. Tudo muda drasticamente quando sua família muda para a cidade grande (não fica claro, mas o motivo da mudança é um emprego novo de seu pai. Será foi tangido por um desemprego?). O fato é que a vida da menina fica de ponta-cabeça e sua mãe tenta manter tudo positivo. Dentro da Sala de Controle, a Alegria tenta controlar a Tristeza, uma figura pessimista que não está gostando de nada naquela mudança. Numa disputa pela Memória de Riley (que alegria quer a coleta de Memórias positivas, somente), Alegria e a baixinha rechonchuda Tristeza são sugadas para dentro do Cérebro de Riley. O filme será sobre o caminho de volta da Alegria e da Tristeza para a Sala de Comando e as confusões que ocorrem quando a cabeça da menina passa a ser comandada pela Raiva, o Medo e o Nojo (mais conhecido como o Cérebro de um Adolescente?).

Vou dar um spoiler do vídeo: Riley vai ficando cada vez pior durante o filme: briga com a amiga de Minnesota, não consegue jogar Hockey, se afasta de seus pais e não se adapta àquela cidade horrível. Quando Alegria e Tristeza voltam para a Sala de Controle, a chata controladora da Alegria percebe que a menina só vai elaborar o que está acontecendo através da Tristeza: numa cena muito bonita ela chora abraçada com seus pais, depois de reconhecer que sente muita saudade da sua casa, suas amigas e sua vida em Minnesota. Finalmente, ela pode chorar e dar passagem para a Tristeza que sentia. Só assim pode recuperar a sua Alegria.

O vídeo faz um paralelo entre a personagem Alegria e a Positividade Tóxica: tentar controlar as Emoções e ficar “Só Positivo” é o que causa todos os problemas. Precisamos da Tristeza e das outras Emoções “Negativas” para lidar com a instância mais complexa de nossa vida, que é a instância do Real. Nos dias de hoje, em que cada um está escolhendo sua Realidade e Narrativas particulares (uma deputada americana afirmou que os incêndios na Califórnia são causados por naves espaciais comandados por Judeus), poder distinguir o Falso e o Verdadeiro virou uma ginástica constante. Saber usar sua Intuição, os Sentidos e as Emoções são um assunto de sobrevivência. Porque não falta gente dizendo como você deve agir ou sentir.

Uma seguidora discordou do termo. Para ela, nenhuma Positividade é negativa, muito menos Tóxica. O engraçado é que o termo Positividade Tóxica foi cunhado por uma filha nova da família da Psicologia, que é a Psicologia Positiva. A Psicologia Positiva chama alguns tipos de Positividade de Tóxica. Dizia o poeta que é melhor ser alegre que ser triste, e tinha toda razão: uma atitude alegre diante da vida costuma trazer resultados muito melhores que o pessimismo e o desânimo. Mas outro poeta também disse que rir é bom, mas que rir de tudo é desespero. E também tinha razão: ser otimista de maneira irrealista também é o caminho da Negação e da Tragédia.

Positividade tóxica é a positividade que suprime os sentimentos verdadeiros e adequados à cada situação. O Medo não pode ser manejado pelo Pensamento Positivo, e a Tristeza não recua diante dos “vai dar tudo certo” que os otimistas saem falando a torto e a direito. Os budistas dizem que as emoções são como visitas que entram e saem de nossa sala e de nossa vida. Taxá-las como positivas ou negativas só aprofunda nosso desconforto. Talvez não sejam nem positivas nem negativas. São apenas humanas. Como humano é poder vivenciá-las.

*Marco Antonio Spinelli é médico, com mestrado em psiquiatria pela Universidade São Paulo, psicoterapeuta de orientação junguiana e autor do livro “Stress o coelho de Alice tem sempre muita pressa”