A era digital existente nos dias de hoje e composta pela chamada sociedade da informação, desde que começou a surgir foi se modificando de acordo com as novas tecnologias, formas de vivências, maneiras de se comunicar e socializar, estando ainda em constante movimento. Os jovens desta era, nutrem um sentimento de impaciência e ansiedade decorrente de terem sido criados e por terem vivido em um mundo que sempre a informação chegou rapidamente, sendo a chamada sociedade líquida de Bauman, a qual as pessoas não pensam mais a longo prazo. Todo o avanço tecnológico apesar de ter trazido inúmeros benefícios a sociedade, trouxe junto deles uma série de questões complexas, posto que essa mídia passa a ser utilizada também para o cometimento de crimes.
Somos bombardeados por diversas notícias em que se verifica uma forte onda de ofensas perpetuadas pelos meios digitais que acabam interferindo diretamente no mais íntimo das pessoas. Também se tornou comum noticiários que denunciam os vários desafios sádicos transmitidos em redes sociais que levam pessoas a cometer atos lesivos contra si próprias. A expressão cyber-suicídio surge nesse cenário, sendo definida como o ato de tirar a própria vida, motivado pela influência de sites com conteúdo de ajuda, influência ou motivação para cometer suicídio, salas de bate-papo e fóruns na Internet. As questões desta sociedade contemporânea interferem diretamente na psique humana e no comportamento interpessoal.
Atos de instigação, auxílio ou induzimento ao suicídio se perpetuam de maneira cada vez mais facilitada, visto que o alcance de tais condutas podem atingir milhares de pessoas por apenas um ato a partir do uso da tecnologia. Diante deste contexto, este assunto vem sendo cada vez mais discutido em decorrência do alto índice de suicídio mundial, visto que a cada 40 segundos uma pessoa se suicida no mundo de acordo com a OMS. O Brasil não ficou externo a esse fato e se movimentou para proporcionar inovação na legislação penal, sendo sancionada a lei que alterou o antigo art. 122 do Código Penal que tipificava o crime de induzimento, instigação ou auxílio a suicídio, a partir de uma realidade muito mais concreta.
A recente atualização do tipo penal em questão por meio da Lei nº 13.968, sancionada em 26 de dezembro de 2019 trouxe penas mais severas e um artigo mais abrangente. Anteriormente não era tipificada a instigação, induzimento ou auxílio para a prática do ato de automutilação, ou seja, o ato de agredir de maneira intencional e de forma direta o próprio corpo. Contudo, a nova redação do tipo penal traz a previsão de que tal ato é considerado ilícito, sendo penalizada, nos casos em que não tem como consequência lesão corporal de natureza grave, com reclusão de 6 meses a 2 anos. Junto a isso, a alteração legislativa foi inteligente ao penalizar com mais rigor quando o crime é praticado em face de menores de 14 anos de idade ou pessoas com dificuldade no discernimento de seus atos, visto que este perfil de pessoa não oferece resistência.
Além disso, a principal alteração da lei foi a imposição de penas mais rigorosas aos agentes que cometam este crime em meio cibernético. Considerando o contexto vivido atualmente e a forma em que os crimes vinham sendo cometidos, a alteração legislativa demonstra ser positiva e atual, visto que impõe penas mais duras a dois agentes especificados na lei e que de fato tem tomado forma na prática de tal delito, sendo eles os líderes ou coordenadores de grupos em páginas de redes sociais, aumentando até metade da pena nestes casos. Também há aumento de pena caso este crime seja transmitido ao vivo, o que de fato é comum de ocorrer, podendo a pena ser aumentada até o dobro neste caso.
Em 2008 foi proposto um PL com a intenção de tipificar a conduta dos provedores que deixarem de comunicar à autoridade policial a ocorrência da instigação ao suicídio através da Internet. Outros projetos de leis traziam responsabilidade aos provedores de aplicações de internet de terem de retirar do ar conteúdos suicidas ou de autoagressão que induzam, instiguem ou auxiliem no cometimento do suicídio. Estes projetos de lei ainda estão sendo analisados pelo Congresso Nacional e suas comissões, contudo, seria de grande valia para a sociedade como um todo, visto que se faz necessária a agilidade da exclusão desse tipo de conteúdo do ar quando identificado, assim como já ocorre com os conteúdos pornográficos como previsto no art. 21 do Marco Civil da Internet. Até o momento a atualização da lei foi positiva e proporciona aos cidadãos uma tutela mais efetiva do bem jurídico indisponível vida, trazendo soluções legislativas em consonância com a realidade atual da prática do delito.
- Thayná Fiori Gonzaga. Advogada do Escritório Lopes e Santos Sociedade de Advogados. Pós graduada em Direito Eletrônico.