João Carlos Marchesan*
A escolha de Margareth Tatcher, como primeira ministra do governo da Inglaterra, logo seguida pela vitória de Reagan para a presidência dos EUA, no começo dos anos 80, sinaliza o fim do ciclo dos governos social-democratas, caracterizados por uma forte intervenção do Estado na economia. O modelo, que prevaleceu na Europa ocidental, desde o fim da segunda guerra mundial, encerrou, assim, o período que ficou conhecido como “os trinta gloriosos”, pelo fato daquelas três décadas ficarem caracterizadas pelo forte crescimento econômico, pela redução da desigualdade e pela grande mobilidade social.
Os anos oitenta, do século passado, deram a partida ao predomínio de um sistema econômico, cujo cerne era a substituição da ação do Estado pelo livre mercado. Este reinado durou, praticamente inconteste, até o fim da primeira década do século XXI, ou seja, até a crise financeira de 2008, causada pela bolha imobiliária nos EUA. A forte injeção de dinheiro nas economias centrais, feita pelos principais BCs para evitar uma crise sistêmica, sem que houvesse a inflação vaticinada, pôs em xeque um dos pilares desse sistema, que passou a ser questionado.
Assim, apesar do bom desempenho da economia mundial desde os anos oitenta, os defeitos do modelo começaram a ficar mais evidentes. Assim, a perda do poder dos sindicatos e a maciça transferência de empregos dos países centrais para a Asia criaram cinturões de pobreza nas áreas industriais dos países centrais.
O decorrente descontentamento de uma parcela significativa da população, especialmente trabalhadores e classe média, teve consequências, levando o pêndulo das tendências políticas mundiais, que estava no centro esquerda durante a predominância dos governos social-democratas e, no centro, durante os anos 80, para o centro direita. O Brexit, na Inglaterra e a eleição do Trump nos Estados Unidos resultaram deste movimento e ajudaram a impulsionar o surgimento de uma série de governos conservadores e populistas, ao redor do mundo, empurrando o pêndulo para a extrema-direita.
O questionamento iniciado nos anos 90 ao modelo econômico, ganhou força na primeira década do século XXI, e não se limitou ao campo econômico, mas entrou no campo político. No fim da década passada e no início da atual, diversos governos na Europa e nos EUA mudaram de mãos sinalizando a volta do pêndulo para o centro-esquerda. A pandemia ressaltou a importância do Estado, como agente econômico, ao mesmo tempo que mostrava as limitações do mercado. A eleição do Biden nos EUA reforçou este movimento, confirmado agora pelas eleições na Alemanha, com o Estado recuperando seu papel histórico.
A mesma Alemanha foi, talvez, a primeira a dizer, com todas as letras, que o Estado iria intervir, sempre que necessário para defender e fortalecer sua indústria, indispensável para a manutenção do bem estar de sua sociedade, para enfrentar o desafio de competir, em igualdade de condições, com as grandes corporações mundiais apoiadas por seus respectivos governos. Foi seguida, nesta direção, pelos EUA onde o Biden anunciou planos trilionários para recuperar a capacidade produtiva e tecnológica do país.
Recentemente foi a França que anunciou um programa de incentivos a diversos setores tecnológicos. A recente mudança do pêndulo da extrema-direita para uma posição mais próxima do centro-esquerda resultou, não somente do esgotamento do modelo econômico implantado, mas também da necessidade, claramente evidenciada durante a pandemia, dos países terem um certo grau de autossuficiência produtiva e tecnológica, para não depender integralmente de importações de terceiros países que podem colocar restrições às suas exportações num contexto de crise. Os problemas no abastecimento de diversos materiais críticos, mostrou a vulnerabilidade de muitos países, em função da produção globalizada.
Esta vulnerabilidade, demonstrada pela maioria dos países ocidentais, e evidenciada pela dependência das importações da China e do Sudeste da Ásia, acendeu um sinal de alarme nos países desenvolvidos. Boa parte deles passou a colocar restrições à perda de controle acionário de suas empresas com tecnologia avançada, anunciou programas de incentivo às suas multinacionais que trouxessem de volta parte de sua produção alocada no exterior, bem como passou a implementar diversas políticas públicas de apoio à indústria de transformação, de seus próprios países, e ao desenvolvimento tecnológico.
O sucesso da China, após o do Japão e da Coreia, em desenvolver os respectivos países, privilegiando a industrialização está sendo seguido recentemente, como já dissemos, pela Alemanha, EUA, e França e por boa parte dos países desenvolvidos ou em desenvolvimento. Ficou claro que, sem uma ação coordenada do Estado não é possível alavancar o desenvolvimento dos países emergentes que adotaram o modelo e, assim, a mudança do pêndulo para o centro-esquerda, reabilitou o papel do Estado na economia.
O Brasil foi um dos países onde a pandemia desnudou nossas fragilidades. A falta de fármacos, vacinas, equipamentos e insumos hospitalares, evidenciada pela corrida desordenada para importar máscaras, EPIs, insumos para remédios, respiradores, vacinas e tantos outros itens e o desabastecimento de diversos componentes, como semicondutores e circuitos integrados, após a pandemia, deveria ter deixado claro que o país precisa de políticas públicas de desenvolvimento, focadas na indústria, para recuperar o espaço perdido e voltar a ter uma indústria complexa, sofisticada e competitiva.
Na realidade, precisamos de um projeto de país, focado no bem estar da sociedade brasileira. Desenvolvimento, criação de empregos, redução de desigualdades, nivelamento do acesso às oportunidades, saúde, educação e uma certa autossuficiência produtiva e tecnológica foram todos temas relegados a um segundo plano, na vã esperança que o mercado resolvesse estes problemas. Já passou da hora do Brasil mudar de rumos.
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*João Carlos Marchesan é administrador de empresas, empresário e presidente do Conselho de Administração da ABIMAQ.