Lições aprendidas da China*
*Por Marcelo Caus Sicoli
- Introdução
Minha visão de China é bem distinta da maioria dos brasileiros. Muitos irão pensar em grande população, terceiro maior território do planeta Terra; Comidas típicas, muitas vezes exóticas para nossos padrões; atletas olímpicos de ponta em várias modalidades, grandes indústrias, poluição, cidades cheias, produtos eletrônicos, a muralha da China. Eu penso em arquitetura de vanguarda. Grandes prédios comerciais, grandes construções, que com suas luzes e brilho compõem um sedutor horizonte de concreto e vidro. Estádios esportivos marcantes e bibliotecas, museus e intervenções urbanas em transporte, décadas a frente do que se observa hoje no Brasil. Uma incursão na China pode trazer grandes ensinamentos aos brasileiros, lições que devem ser disseminadas e certamente incorporadas ao desenvolvimento das cidades brasileiras e sua arquitetura.
Em 2016 e também em 2017, a China foi o principal, parceiro comercial do Brasil em termos de comércio exterior disparado. Em 2017, o Brasil exportou mais de US$47 bilhões, para o país, ficando os EUA num segundo lugar (US$26 bilhões) e a Argentina em terceiro (US$17 bilhões). Na ótica das importações em 2017, ou seja, produtos comprados por empresas e pessoas físicas brasileiras, a China vendeu quase seis vezes o que o principal parceiro comercial por décadas comercializou. Empresas chinesas exportaram mais de US$150 bilhões para o Brasil, enquanto que as empresas estadunidenses US$27 bilhões , as argentinas US$9,4 bilhões e as alemãs US$9,2 bilhões.
- Tradições milenares
A história da China está registrada em documentos que datam do século XVI a.C. mostrando que o país tem uma das civilizações mais antigas do mundo. Sua origem se baseia no surgimento de cidades-Estado no Vale do Rio Amarelo. Destacando-se a cultura Daxi, a cultura Majiapang, a cultura Hemudu e a cultura Yangshou. Neste longo período histórico, os chineses inventaram a pólvora, a porcelana, a seda, o papel, a produção de chá, o álcool, a máquina de semear e ferramentas para perfuração profunda. Até mesmo invenções como o carrinho de mão ou o primeiro relógio mecânico da humanidade.
Conclusão: infinitas páginas poderiam ser produzidas e não seriam suficientes para cobrir todos os feitos e a história chinesa. Nosso foco aqui então será a arquitetura. Qualquer conjunto arquitetônico chinês, seja civil ou religioso apresenta axialidade e simetria, determinadas pela existência de um eixo principal de disposição Norte-Sul onde se situam os edifícios e pátios mais importantes, e que servem de ponto de partida na distribuição simétrica e na hierarquia dos pátios e dependências de valor secundário.
Acaba por remeter a arquitetura de Brasília. Imaginada desde o século XVIII, Brasília surgiu como a demonstração da capacidade dos brasileiros que a construíram em apenas três anos. Inaugurada no dia 21 de abril de 1960, pelo então presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira, é atualmente a terceira maior cidade do Brasil, atrás apenas de São Paulo e Rio de Janeiro. A cidade obteve os maiores índices de desenvolvimento e qualidade de vida no país em 2016,de acordo com estudo internacional da consultoria Mercer. Devido a grande importância da cidade para a arquitetura mundial, no dia 7 de Dezembro de 1987 a área do Plano Piloto de Brasília foi transformada em Patrimônio Mundial da UNESCO, tornando a cidade a maior área de patrimônio histórico do mundo.
- Arquitetura Tradicional.
A arquitetura antiga chinesa é bonita e graciosa em aparência com características distintivas. Os princípios estruturais da arquitetura chinesa permaneceram praticamente inalterados, sendo as principais mudanças apenas os detalhes decorativos. Desde a dinastia Tang, a arquitetura chinesa teve uma grande influência nos estilos arquitetônicos da Coréia, Vietnã e Japão.
A madeira é o material principal na arquitetura chinesa antiga e a maioria dos edifícios usa este material. A madeira é facilmente encontrada no território chinês, podendo facilmente se adaptar a diferentes climas e diminuir danos em caso de terremotos. A profundidade e a largura do espaço interior são determinadas pela armação destas estruturas, que recebem tratamento em vernizes de cores fortes e brilhantes para melhor preservação.
Os edifícios geralmente são construídos em formatos quadrado, redondos, hexagonais e octogonais; As formas dos telhados são ricas em estilos e valor artístico. As encostas em quatro lados, seis lados e oito lados são mais comuns; Os beirais com tipos de esculturas e urdiduras de diferentes maneiras geralmente fazem um perfil gracioso do edifício. Os cumes decorados com esculturas , ornamentos e azulejos em cores também aumentam o valor artístico do telhado. Os telhados além do seu lindo visual, conferem com seus largos beirais, resistência a deformidade, em caso de chuvas ou neve por exemplo.
A construção sobre plataformas, além de prevenir a umidade, adiciona força, sofisticação e glamour. Os jardins chineses são construídos graciosamente com grandes concepções artísticas em três tipos, concepção de aspiração, concepção imortal e concepção natural. Outro importante ponto da arquitetura tradicional. As concepções naturais são vistas geralmente em jardins privados, seguindo a linha de pensamento dos filósofos chineses Laozi e Zhuangzi, quer no equilíbrio e integração do ser humano e da natureza, bem como nas relações de todas as criaturas.
O layout vertical e em formas simétricas rigorosas da arquitetura chinesa antiga vem do confucionismo e da filosofia tradicional. Um complexo chinês geralmente consiste de numerosos edifícios individuais, seja um palácio maior ou um pátio em formato quadrilátero. Todos os edifícios estão voltados para o sul, exceto os de algumas áreas étnicas que são limitadas por formas de relevo e topografia especiais. Em um complexo, há sempre um eixo; Os edifícios principais estão exatamente de pé no eixo, enquanto os edifícios secundários são confronto leste-oeste nos dois lados para compor um pátio quadrado ou retangular.
Último ponto que merece destaque são as decorações. A imagem, a cor e as propriedades dos acessórios e decorações são meticulosamente escolhidas para embelezar os tipos de edifícios. Quase todas as partes estão bem decoradas. A plataforma e os passos equipados com calhas e incisão; animais mitológicos(dragões e fênix), frutas, flores e pássaros estão sempre colocados nos beirais; As portas e as janelas são gravadas com tipos de imagens e padrões coloridos; até mesmo os tetos são projetados como caixas moldadas ou decorados formalmente em padrões tradicionais. A pintura sobre a arquitetura é uma característica distintiva, bem como uma decoração indispensável em edifícios formais, como palácios e templos, enquanto era proibida em casas civis.
Entre famosos marcos turísticos, que são feitos de arquitetura humana tradicional ou divina, digamos, assim podemos destacar: A Grande muralha da China; O Templo do Buda de Jade em Xangai; O Buda da montanha de Leshan; O Templo do Céu em Pequim; Os Jardins de Yuyuan em Xangai;
Os Ding Ding de Hong Kong; As Estátuas das grutas de Longnen em Henan; Os pandas gigantes e macacos dourados de Jiuzhai; A Floresta de Pedra da Cordilheira Changbaishan; E por que não mencionar o Exército de Terracota em Xian como grande obra humana também. A Tumba de Qin Shi Huang; a ponte Zhaozhou, que é a primeira no mundo a utilizar como vão central um grande arco de pedra entre dois pequenos arcos laterais, localizada na província de Hebei, construída na Dinastia Sui há mais de 1.500 anos pelo arquiteto Lin Chun, famoso artesão de sua época. Nunca chegaremos ao fim da lista.
- Arquitetura moderna e cosmopolita na China
No que tange a arquitetura, é interessante observar como a manutenção de construções antigas estão sendo feitas. Gostaria de levar grupo de síndicos, administradores públicos e arquitetos e engenheiros para explorar o país. O antigo, convive com harmonia lado a lado com moderníssimos projetos, em grande parte tocado por renomados arquitetos de todo mundo.
Muitas cidades chinesas acabam por copiar os casos de outros países. Muitas imagens urbanas ocidentais tornarem-se ideais. Esta busca por inspiração, até atinge exageros como uma Réplica de Paris na China em Tianducheng que hoje é cidade com poucos habitantes foi inaugura em 2007. Perto da cidade portuária de Tianjin podemos encontrar a Florentia Village, um centro comercial minuciosamente projetado para se parecer com uma villa italiana. Está completa com fontes, canais e mosaicos, além de lojas “locais” como a Gucci e a Prada. Construída por um empreendedor italiano, parece-se realmente com Itália. Já na província de Guangdong está estabelecida uma cópia idêntica de Hallstatt, uma histórica vila austríaca alpina, com investimentos de US$ 940 milhões para reproduzir esta vila que é Patrimônio Mundial da UNESCO. A histórica vila de Tianjin foi demolida para erigir uma mini-Manhattan, sem muito sucesso. Em Pudong existe uma Holland Town com construções icônicas de Amsterdã na Holanda, entre vários outros exemplos pelo país. Após décadas maoístas, quando não havia clientes privados, escritórios independentes e as faculdades se tornaram escolas de desenho popular. A arte do desenho havia se perdido, e quem ansiava por criatividade e projetos refinados olhava para o exterior. Nunca houve uma oportunidade tão gigante entre experimentação e prática como na China, em escalas gigantes.
Depois de Pequim e Xangai competirem pelo arranha-céu mais alto, agora lutam, de forma saudável, pelas construções mais modernas e impactantes. No sul do país, os italianos Doriana e Massimiliano Fuksas fizeram o terceiro terminal do aeroporto de Shenzhen (de custo equivalente a US$ 1 bilhão), uma anfíbia mescla de pássaro com raia de 500 mil m², revestida de metal moldado em favos de mel e painéis de vidro, como aponta artigo do importante jornal brasileiro Folha de São Paulo em dezembro de 2017.
A Bolsa de Valores da mesma cidade foi desenhada pelo holandês Rem Koolhaas, que tinha projetado a sede da TV estatal chinesa em Pequim. O jornal lembra de cidades que se urbanizaram recentemente, e que tem grandes populações (acima dos 10 milhões de habitantes), como Chongqing, Kunming, Suzhou e Chengdu, que continuamente atraem arquitetos americanos, europeus e japoneses. Fartos recursos disponíveis, terrenos vagos e facilitado licenciamento ambiental são vantagens. Vários vencedores do Pritzker, o Nobel da Arquitetura, estão no interior chinês.A honraria é outorgada todos os anos a arquitetos e arquitetas cuja obra construída: “tenha produzido significativas contribuições para a humanidade ao longo dos anos”, segundo explica a própria organização responsável pela premiação.
O português Álvaro Siza projetou uma usina química em concreto aparente, sobre um lago artificial, em Huai’an, cidade de 4,5 milhões de habitantes a 400 km de Xangai. O britânico Richard Rogers desenhou um condomínio residencial em Ningbo e seu compatriota Norman Foster criou um hotel de luxo em Nanjing. O japonês Kengo Kuma, responsável pela Japan House de São Paulo, fez um museu em Hangzhou. Poucos brasileiros ainda participam dessas grandes obras que sem exagero, marcam a humanidade, no entanto.
Neste caldeirão em ebulição, também se destacam arquitetos de visão modernistas nascidos na China. Com destaque para Ma Yansong, 42, formado em Yale e com experiência no famosíssimo escritório Zaha Hadid . Ele projetou a nova ópera de Harbin, a cidade mais fria do país, próxima já a fronteira com a Rússia. A ópera é revestida com placas de alumínio, que remetem às dunas de neve onipresentes, e tem passarelas para os visitantes escalarem o prédio por fora, levando a um terraço com 35 metros de altura.
Co-fundador da MAD Ma Yansong . As cidades chinesas devem desenhar mais da arquitetura tradicional do país, ao invés de incluir o estilo dos edifícios ocidentais. Localizado na margem sul do Parque Chaoyang – um dos maiores parques da cidade – a forma dos edifícios é baseada em formações rochosas. O Chaoyang Park Plaza foi projetado para parecer emergir da paisagem natural, na tentativa de reconectar os habitantes de Pequim com o mundo natural. levar a cultura tradicional para um novo formato na arquitetura contemporânea.
Ao olhar uma torre, às vezes parece uma rocha, às vezes parece uma montanha. As cidades chinesas precisam mais do que nunca manter sua identidade, segundo o arquiteto.
O chinês Wang Shu, autor do Museu em Ningbo, ganhou o primeiro Pritzker do país em 2012. O Prêmio Pritzker é o reconhecimento mais importante que um arquiteto(a) pode receber em vida. Com sede em Hangzhou e reitor da Academia de Artes da China, conhecido por sua resistência ao que considera arquitetura profissionalizada e sem alma. Ele acredita que a arquitetura deve ser atemporal, profundamente enraizada em seu contexto e, ainda assim, universal. “Sua experiência da arquitetura começa longe do edifício. Arquitetura não é apenas a casa em si; mas também inclui uma grande área em torno dela. Tudo isso é arquitetura”, diz o profissional.
O Centro Nacional Aquático “Watercube” e o “Ninho de Pássaro” , o Estádio Nacional de Olimpíadas 2008, são exemplos que extasiaram o mundo. Quatro anos mais tarde, a olimpíada no Brasil, sediada pela lindíssima cidade do Rio de Janeiro em 2012, também trouxe importantes legados positivos como em infraestrutura de transportes. Mas outros objetivos de boa intenção, hoje estão abandados, como as dezenas de grandes prédio residenciais compondo a vila olímpica na Barra da Tijuca, que foi entregue com muitos defeitos e quase 6 anos depois não cumpriram o importante papel de dar moradia para os milhões de brasileiros que precisam de uma residência e acabam por ocupar irregularmente morros e encostas produzindo grandes favelas com infraestrutura precária, déficit de serviços sociais como educação, saúde e o mais marcante : caos na segurança pública. A criminalidade afasta turistas. Além do notável desperdício nestas construções para o evento no Brasil e bilionárias cifras de corrupção até o momento apurados, envolvendo governantes das mais diversas esferas como municipal, estadual e federal. Na Copa do Mundo dois anos antes, se investiu bilhões de reais em estádios nas 12 cidades sede também.
As imagens da Biblioteca Tianjin Binhai tornarem-se completamente virais nas mídias sociais e internet como um todo. Tianjin tem 15 milhões de habitantes e é a quarta maior cidade da China. O prédio foi projetado pelo escritório holandês MVRDV e faz parte do planejamento completo do novo Centro Cultural de Binhai, conduzido pela alemã GMP em parceria com o Tianjin Urban Planning and Design Institute. Desde sua abertura, o número de visitantes tem aumentado constantemente, muitos deles provenientes de longe de Tianjin. A grande procura por uma biblioteca, localizada a 50 quilômetros do centro de Tianjin, ou 150 quilômetros de Pequim intriga. Um local para estudos, palestras e leitura, passou a ser uma importante atração e destino turístico.
Da província central de Hunan, terra natal do líder comunista Mao Tsé-tung, vem vários vídeos e fotos do parque de Zhangjiajie, local que inspirou as montanhas vistas no filme Avatar. O destaque no entanto, é a maior ponte de vidro do mundo inaugurada em 2016. A obra liga dois penhascos a 300 metros de altura. Divertido ver algumas pessoas em pânico total com a sensação de altura, apesar da grande segurança mostrada em testes da estrutura quando com golpes de martelo repetidamente sem sucesso , tentaram fazer a estrutura ruir.
Como destaques de grandes construções recentes na China, seja pela ousada arquitetura ou grandiosidade do projeto destacamos: Ark Hotel e o Sky City(ambos em Hunan) , Taipei 101 (Taiwan) , The Piano House ( Anhui), A Comuna (Pequim), Thames Town, próximo a Xangai e the Bund , na mesma cidade, que também abriga o Shanghai World Financial Centre. Em Pequim, o conjunto de prédio “pássaros” como a sede da CCTV , O estádio nacional(olímpico), e o Grande Teatro Nacional, que se assemelha a um ovo. Além do Parque aquático , que já citei.
The Century Global Center (Sichuan) e a usina hidrelétrica de 3 gargantas no rio Yangtz, a maior do mundo em capacidade de produção. O Hong Kong International Commerce Centre. E exemplos da junção de arquitetos internacionais e locais como o Linked Hybrid, um sucesso da parceria entre o arquiteto de Nova York Steve Holl e o chinês Li Hu. O Oriental Pearl TV and Radio Tower e o Jin Mao Tower em Pudong. É certo que tenha esquecido vários óbvios e importantes construções. A lista é enorme e fantástica.
Uma experiência prática na China geraria grandes frutos para mim e para brasileiros como um todo. Um melhor conhecimento da vida rotineira na China e mecanismos de tomada de decisão na área de construções públicas e privadas é muito valioso. Entender como o poder público interage com seus cidadãos, como as parcerias público-privadas ou sociedades entre arquitetos locais e estrangeiros são feitas e especialmente como os investimentos estrangeiros são tratados no país.
*Síndico do Centro Clinico Sudoeste (Brasília-DF), premiado nacionalmente e internacionalmente. Consultor internacional e corretor de imóveis (Creci-DF 20576). E-mail: sindicoccs@outlook.com WHATSAPP: (61)98162-8891