Possibilidade de saque em dinheiro após 60 dias pode descaracterizar os objetivos do PAT. Já a opção de livre escolha de operadora pelos colaboradores traz dificuldades administrativas para os empregadores
Aprovada pelo Congresso – no início de agosto passou pelo Senado – , a MP (Medida Provisória) 1108/2022, que altera regras do Vale Refeição e do Vale Alimentação pagos pelas empresas aos trabalhadores, deve ter duas de suas propostas vetadas pelo presidente da República. Uma delas é a possibilidade de saque em dinheiro do saldo remanescente desses benefícios após 60 dias. A outra é a opção para o empregado escolher a operadora que ele preferir. Ambas são consideradas pelos especialistas como prejudiciais para trabalhadores e empregadores.
Na opinião de Anderson Belem Costa, CEO da Otimiza, o saque em dinheiro é uma proposta negativa porque desconfigura a natureza do benefício. Além disso, pode ser que a Receita Federal entenda que quando houver esse saque possa incidir tributação sobre o valor, uma vez que ele não foi um benefício do PAT (Programa de Alimentação do Trabalhador), pelo contrário, virou dinheiro que pode ser usado para outras finalidades que não a alimentação.
“Claro que isso (a tributação) é uma presunção de algo que pode ou não acontecer, mas existe esse risco. Mas com toda a certeza vai prejudicar o trabalhador porque para que ele possa sacar será preciso aguardar 60 dias. Isso é um indicador para o grupo de colaboradores economizarem refeição, consumirem menos para terem mais dinheiro no bolso. Isso vai totalmente contra o programa de alimentação que prevê no texto nutrientes mínimos necessários para a saúde do empregado”, avalia Costa.
Gabriel Santoro, advogado do escritório Juveniz Jr. Rolim Ferraz Advogados, concorda com o executivo da Otimiza. Para ele a proposta de saque em dinheiro pode se transformar em salário disfarçado ou até incentivar empregados e empregadores a combinarem alguma ação para desvirtuarem o benefício. Em época como a atual, em que milhões de brasileiros estão endividados, transformar o vale refeição ou alimentação em dinheiro para pagar contas é uma verdadeira tentação para o trabalhador. Para o empregador, seria uma forma de ‘pagar’ um salário um pouco maior sem os encargos.
“Abre-se uma nova possibilidade, bem perigosa. O patrão fala para o empregado assim: vou pagar salário de R$ 2 mil e vou te dar mais R$ 1 mil de vale refeição. Mas não gasta, tá. Daqui a dois meses você levanta metade deste dinheiro e pronto, fica um complemento salarial para você. Se isso acontecer vai desvirtuar totalmente o PAT e será péssimo para o fisco”, diz o advogado.
Santoro explica que quando foi aprovada a reforma trabalhista em novembro de 2017, houve uma alteração substancial no artigo 457 da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), que rege as questões salariais e indenizatórias. Tudo o que é indenizatório, como no caso desses benefícios, não tem reflexo no fisco, seja de ordem trabalhista ou previdenciária. Mas tudo o que é salário, tem. “Então, seguindo o exemplo que eu dei, esses R$ 500 que o trabalhador tiraria do vale alimentação na forma de dinheiro seria uma espécie de remuneração sem incidência de tributos, prejudicando, entre aspas, a União Federal”.
Além de desvirtuar o PAT e gerar problemas de ordem legal, há uma outra preocupação relativa ao próprio setor de bares e restaurantes que já teve muitos prejuízos por causa das restrições em função da pandemia e que pode ficar sem parte de seus clientes bem em um momento de recuperação.
É que os vales refeição e alimentação devem ser gastos nos estabelecimentos que os aceitam. Logo, o trabalhador não tem outra opção que não seja usá-lo em um dos estabelecimentos credenciados. Com dinheiro em mãos, porém, perte dos beneficiários pode escolher levar marmita para o trabalho e usar o dinheiro em outros setores.
Outro ponto considerado ruim e que deve ser vetado é a opção de escolha. Atualmente, o empregador negocia com uma única operadora para atender a todos os funcionários, ou seja, eles usarão o mesmo cartão para se alimentarem. O texto aprovado, porém, indica que a partir de 1º de maio de 2023 será permitido ao colaborador optar pela empresa de benefícios que o serviria dentro da empregadora. E isso pode gerar aumento dos custos administrativos. “Isso criará uma situação em que em um grupo de mil trabalhadores cada um deles possa ter a operadora de cartões de sua preferência”, explica Anderson Belem Costa, da Otimiza.
Evolução
Se há dois pontos que são polêmicos e deverão ser vetados, de forma geral a MP 1108/2022 traz alguma evolução para o setor. O executivo da Otimiza avalia que um dos pontos positivos é a criação de multa cujos valores podem variar de R$ 5 mil a R$ 50 mil, com a possibilidade de dobrar em caso de reincidência, a quem desvirtuar o uso do benefício.
“Quando as empresas de benefício flexível passaram a atuar, surgiu uma falha na utilização desse benefício. Algumas operadoras permitiram o uso autônomo demais para o cartão de vale alimentação ou refeição como, por exemplo, compras pela internet e outros pagamentos que não estão previstos no programa de alimentação do trabalhador. Essa multa poderá ser aplicada tanto na empresa emissora do cartão quanto na empresa empregadora. E ela também prevê o descredenciamento do PAT”.
Costa também avalia que a MP trouxe a possibilidade de abertura do mercado, atualmente concentrado nas mãos de três grandes companhias que detém cerca de 80% do mercado de voucheres. “Isso é bom para empresas como a Otimiza, que trouxe inovação para o mercado, e para outras que já existem e que devem surgir daqui para frente aumentando a oferta”, comenta Costa.