Do puxadinho tributário à reforma 

Por Francisco Gaiga, advogado tributarista 

Francisco Gaiga

Recentemente, em uma entrevista à Rádio Gaúcha no dia 15 de junho, o Secretário da Fazenda do Rio Grande do Sul, Marco Aurelio Cardoso, foi chamado a responder ao argumento de que a redução da carga tributária aumenta o consumo, aquece a economia e, por consequência, reforça a arrecadação. O tema geral da entrevista era a lei patrocinada pelo Governo Federal para impor teto ao ICMS, e Cardoso iniciou a resposta de forma curiosa: “Acho, então, que a gente deveria baixar todos os impostos para 1%.” É claro que o secretário fazia uma ironia antes de apresentar seu contra-argumento de forma ponderada. Mas é fato que hoje no Brasil o que falta nesse debate é ponderação.

Na verdade, estamos assistindo a mais um puxadinho tributário. Pressionado pela alta dos combustíveis e da inflação às vésperas da eleição, o governo federal busca alternativas para frear os preços, e o vaivém sobre o tema impera no país desde o final do ano passado.

Em outubro, a Câmara dos Deputados aprovou projeto que determina valor fixo para cobrança de ICMS sobre o litro dos combustíveis. Em reação à época, os governadores decidiram congelar o preço de referência para provar que o aumento nas bombas não seria culpa dos Estados. Em março, o projeto foi sancionado e virou a Lei Complementar 192/22, e os governadores fecharam acordo fixando valor sobre o diesel.

A cifra era mais alta do que a cobrada pela maioria dos Estados, e o convênio permitia aos Estados aplicar descontos. Para o Governo Federal, isso driblava a regra. O caso foi parar no Supremo Tribunal Federal (STF), e em junho uma liminar barrou o acordo exigindo cobrança uniforme no país, o que acaba de ser definido pelo Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz). 

No meio da queda de braço, outra frente foi aberta: em maio a Câmara aprovou o projeto que fixa teto entre 17% e 18% para o ICMS sobre combustíveis, energia elétrica, telecomunicações e transporte coletivo. A proposta desagradou aos governadores, que apontaram perda abrupta de receita e risco de ampliação do desequilíbrio fiscal. No início de junho, o Palácio do Planalto ofereceu acordo aos Estados; queria apoio ao teto do ICMS, em troca de zerar tributos federais sobre gasolina e etanol, e a desoneração completa do ICMS do diesel e do gás de cozinha em troca de restituição das perdas por parte da União, prevista na PEC 16/22. Aqui, havia uma pegadinha de Brasília: a oferta de acordo acenava com a cobertura do imposto estadual entre o teto e a alíquota zero. Mas nada falava a respeito de reposição às perdas dos Estados que reduziriam sua alíquota atual até o teto.

Ainda sem acerto entre Brasília e Estados, o teto seguiu tramitando no Congresso. A proposta foi avalizada em junho pelo Senado, sendo incluídas outras compensações aos Estados. Ao sancionar a Lei Complementar 194, a Presidência vetou a indenização. Agora, a ideia no governo é usar o ressarcimento previsto na PEC 16/22 para aumentar o Auxílio Brasil, reajustar o auxílio-gás e criar benefício mensal aos caminhoneiros. A conta final traz mais um alerta; deve extrapolar o teto de gastos públicos. É possível que até a publicação deste artigo outra reviravolta tenha ocorrido, tornando ainda mais difícil ao brasileiro entender essa novela atabalhoada e ao poder público chegar a um consenso. Falta ponderação, capacidade de diálogo, paciência e vontade de chegar a uma solução de longo prazo. Está certo o secretário da Fazenda do RS ao dizer que não há como baixar todos os impostos a 1%, mas há como o país avançar. A saída é a reforma tributária, que não anda no Congresso. Os Estados, impelidos a debater o tema da alíquota do combustível de forma conjunta, podem aproveitar a nova oportunidade para ajudar o Brasil a encontrar uma fórmula tributária que simplifique o sistema, torne-o mais justo, capaz de dar conta das necessidades de arrecadação e indutor da economia