Após assistir brilhantes aulas do professor Felipe Ferraro sobre o novo código civil ministradas num curso in company em um cliente meu (Garcia e Garcia advogados em Porto Alegre/RS, o qual desde já agradeço a oportunidade), fiquei incomodado com algumas mudanças que já estão em vigor e que impactam a advocacia de uma maneira singular.
Estas breves linhas não tem condão de um estudo completo sobre o tema, mas sim algumas reflexões não jurídicas propriamente ditas, mas sim vistas no foco de um advogado que há mais de 10 anos ama a gestão, tecnologia e marketing jurídico no seu dia a dia.
Devemos iniciar pelos princípios que regem o novo código de processo, onde destaco a boa fé. Como é interessante observar que inúmeros artigos remetem a boa fé das partes (artigo 5º e outros) e de outro lado, aplicam multas e sanções severas a falta desta junto ao processo.
E daí decorre a mudança mais comentada, mais dita e mencionada, o artigo 219 do CPC, onde dita que os prazos computar-se-ão apenas em dias úteis. Uma vitória da advocacia, segundo alguns.
Em termos de gestão na prática, é importante saber que podemos contar os prazos em dias úteis aplica mais prazo a um único prazo, todavia, no contexto de escritório como um todo, temos que após a vigência do novo código por algum tempo, irá surtir o mesmo efeito, pois iremos nos acostumar com o prazo neste formato e iremos adequar o escritório a este novo prazo.
Nossa mente trabalha com rotina, vamos criar rotinas e adequar isto a uma nova rotina, apenas isto. Agora, obviamente, quem criticar suas rotinas, buscar trabalhar de forma plena a gestão interna, pode tirar benefícios dos prazos em dias úteis. Exemplo: Mantenha a regra do código anterior e veja como os seus prazos serão feitos bem antes do prazo, ajustando a regra a um benefício prático de não perder prazos (inclusive uma dica importante neste momento, onde alguns usam e outros não o novo código, por incrível que pareça, juízes cíveis que despacham que naquela vara ainda não se segue o novo código! Durma com um barulho destes! E contrariando de forma direta o artigo 14º).
Interessante perceber o movimento forte do novo código em buscar a conciliação (artigo 3º, 3º entre outros) e a solução em um prazo razoável do processo (artigo 4º).
Será que chegaremos a um processo num tempo razoável e não com habilitações de herdeiros pela demora no julgamento ou conclusão da causa? Pode parecer um problema do cliente, mas em dias de mercado competitivo onde os advogados normalmente cobram no resultado das causas, quanto mais demora, mais demora para receber os honorários.
O artigo 11º e 12º trazem uma ideia de transparência muito interessante, pois determinam que os processos devam ser julgados em uma ordem cronológica de conclusão e mais, que isto deve ser público e disponível na internet.
Vamos pensar na gestão do processo? O artigo 139º e o artigo 190º no trazem um soco no estômago em relação aos processualistas de carteirinha, ao dizer que o juiz pode dilatar os prazos e alterar ordem de produção de provas (139) e que as próprias partes podem estipular ritos processuais, com exclusão de provas inclusive, em matéria de autocomposição (190).
Imaginem a cena referente ao 139: Uma apelação com 18 dias? Um embargos com 23 dias?
E no caso do 190: Um acidente de transito onde as partes decidem fazer prova exclusivamente testemunhal (eliminam a pericial) e decidem que não irão recorrer da sentença (excluindo a possibilidade de apelação).
Surreal? Não, isto é o novo código de processo civil, que em termos de gestão processual e principalmente gestão para o seu escritorio de advocacia, trouxe muitas necessidades de pensar diferente, de pensar em como se organizar para tanta mudança.
Já parou para pensar em como a sua controladoria interna irá processar estas informações? Aliás, muito tenho medo das ditas controladorias formadas por pessoas que sequer estudam o novo código, ou são preparadas apenas para protocolos no judiciário e/ou controle de prazos. Sem pensar, conhecer, viver o novo código e o próprio direito em si, muito se perde em termos de controle interno.
A parte de honorários ficou bem interessante, são devidos cumulativamente nos casos de recurso (85, parágrafo 1º), além de que se pediu algo e foi sucumbente, paga honorários sobre a parcela que sucumbiu.
Seu escritório já analisa quando o processo vai para fase recursal e pede honorários de forma cumulativa? Ou está perdendo dinheiro por não usar a lei a seu favor? Gestão traz não só retorno de fluxos e prazos, mas também financeiro!
Isto sem falar nas custas, que até o juízo e auxiliares da justiça irão pagar no caso de serem não utilizadas ou mal utilizadas (artigo 93º). Então, se um juiz adiar a audiência na véspera da mesma ou no próprio dia e a parte tiver despesas de deslocamento, por exemplo, podemos cobrar do juízo? (interessante pensar nisto, não?)
Em termos de tecnologia, já viram o 319? Agora é obrigatório a informação do email da parte para ajuizamento da demanda. E se a parte não tiver email? Usa qual? Do advogado?
E no caso da citação 246, V, que preceitua que será feita por meio eletrônico (ainda pendente de regulação própria)?
Parece uma resposta óbvia, mas não é. Ao usar o email do advogado, diante das novas regras de intimações e celeridade do código, o advogado poderá ser intimado da continuidade do processo como intimação pessoal (e se o advogado perdeu o contato com o cliente?). E se for uma empresa pequena ou microempresa que poderá ser citada para a execução de sentença por email se não tiver advogado constituído (513, parágrafo 2º, III)? Um risco!
E o artigo 489 e devidos parágrafos que ditam explicitamente que o juiz deve fundamentar qualquer decisão, inclusive interlocutória, e que não cabe apenas citar a lei ou dizer que é isto ou aquilo, sem fazer correlação ao fato e ao processo.
Dá a impressão de ser apenas uma boa notícia, não é mesmo? Entretanto, o seu escritório está preparado para ler decisões interlocutórias numa análise de fundamentação? Sua estrutura pode fazer isto?
Percebe a importância de analisar a legislação sob a ótica da gestão?
O mesmo vale para recursos, onde agora se houver falhas sob a ótica processual (como uma procuração, por exemplo), deverá ser concedido o prazo de 5 dias para correção da falha (artigo 932, parágrafo único).
Então, aquela ideia de ganhar o processo apenas nos erros processuais dos colegas vai ficando pra trás, temos que ter mais gestão do que um check list para peças processuais para analisar um processo!
E mais, o seu escritorio está preparado para informar ao cliente que perdeu o processo (com transito em julgado) que se ele não pagar voluntariamente em 15 dias com as custas processuais incluídas (artigo 523), a sentença poderá ser protestada (artigo 517)?
Imagine a empresa sua cliente recebendo do cartório de títulos e protestos um apontamento a protesto por uma sentença judicial que você está cuidando?
E que este protesto não ilide a execução do julgado, que a esta altura já tem mais 10% de dívida somada ao débito e mais 10% de honorários ao advogado da outra parte (523, parágrafo 1º).
Enfim, são inúmeras mudanças ao mesmo tempo que trazem uma reflexão importante: Se as regras mudam, porque o seu escritório continua o mesmo?
É essencial que os profissionais estudem e apliquem o novo código de processo para o resultado do cliente, ao mesmo que tempo que os gestores devem aplicar as mudanças internas em gestão, controladoria, fluxos internos visando adequar estas novidades da melhor forma possível com foco no resultado final de atender o cliente com o menor custo possível.
Pense nos fluxos atuais e como o seu escritório está organizado. Quais os papéis das pessoas e principalmente, quais os papéis que os gestores identificam como de mudança para que a gestão interna seja a mais eficaz e eficiente para o próprio negócio em si.
Uma mudança deste porte passa pelos advogados, gerentes, sócios e paralegais, além das áreas de controladoria, financeiro e atendimento ao cliente. Todos precisam estar em simbiose para que possam atender aos objetos fim do negócio da melhor forma possível.
Está incomodado? Ótimo. Qual a mudança que você pretende fazer hoje, agora, neste exato instante?
Que tal:
- Treinar equipe?
- Estudar o novo CPC sob viés de gestão?
- Pensar nos fluxos internos?
- Mudar fluxos internos?
- Pensar na tecnologia como algo útil aos fluxos internos?
- Deixar o trabalho mecanizado para a tecnologia e advogados para o pensar!;
- Contratar especialistas em gestão e tecnologia para otimizar o trabalho;
- Ter pessoas que pensem em cada atividade e não replicadores de conteúdo;
Enfim, serão as suas atitudes que farão a diferença do seu negócio.
#FicaaDica