Em uma decisão a favor da Vínculo Basic, empresa do ramo têxtil, a Vara Comercial de Brusque, em Santa Catarina, concedeu a Recuperação Judicial da empresa realitivizando a apresentação da Certidão Negativa de Débitos tributários (CND). A dispensa da CND, no caso, prestigiou o princípio da preservação da empresa, pois, segundo a Magistrada “impedir a recuperação judicial não satisfaria os interesses nem da empresa, nem dos credores, aqui incluindo-se o Fisco e os trabalhadores”.
O tema ganha relevância em função das alterações impostas pela Lei 14.112/2020 introduzidas na Lei 11.101/2005, e com a publicação da Portaria PGFN/ME nº 2.382, ocorrida em 01/03/2021. A partir da vigência de tais alterações, passou-se a exigir das empresas que buscam a concessão de sua Recuperação Judicial a apresentação das certidões negativas de débitos tributários para viabilizar a homologação do Plano de Recuperação Judicial.
No caso em questão, a juíza requereu que a Vínculo Basic apresentasse as certidões. A empresa, por sua vez, apresentou a certidão negativa de débito municipal, certidão positiva com efeito de negativa em relação aos débitos estaduais e requereu prazo complementar para comprovação da situação junto à União. Buscando atender à decisão a Vínculo Basic aderiu ao parcelamento fiscal de que trata o artigo 10-C da Lei nº 10.522, de 19 de julho de 2002, em relação aos débitos detidos junto à PGFN.
Já os débitos junto à Receita Federal, por encontrarem-se majorados, foram objeto de Mandado de Segurança, impetrado pela Vínculo Basic, visando discutir a base de cálculo e viabilizar a adequação dos valores. Considerando que para o parcelamento de tais débitos a lei exige a renúncia às defesas distribuídas, conforme determina o artigo 12 da Lei nº 10.522, a empresa demonstrou ao juízo que tal medida é inconstitucional e não se poderia exigir que uma empresa em crise, em pleno processo de soerguimento, desistisse de suas defesas para aderir a um parcelamento de crédito fiscal, cujo valor é maior do que o devido. Dessa forma, ao homologar o Plano de Recuperação Judicial dispensando a CND, a juíza destacou que: “É sabido que a forte carga de tributos que caracteriza o modelo econômico brasileiro traduz, invariavelmente, expressivo passivo tributário em empresas que já se apresentam em crise. Em vista disso, ao exigir as certidões negativas de débitos tributários, estar-se-ia impedindo a recuperação judicial, porquanto são capazes de inviabilizar ou no mínimo dificultar sobremaneira toda e qualquer recuperação judicial”.
Com isso, a Magistrada primou pelo princípio da função social da empresa, insculpido no artigo 47 da Lei 11.101/2005 e reconheceu os esforços da Recuperanda em seu processo de soerguimento, momento em que flexibilizou a exigência de CND para homologação e concessão da Recuperação Judicial.
A apuração dos débitos tributários é passível de equívocos por parte do Fisco e, para isso, as empresas podem se valer de ações e defesas judiciais para discussão e correção das bases de cálculo, o que reafirma a inconstitucionalidade de se exigir a desistência das ações para aderir a um parcelamento.
A decisão, portanto, garantiu à empresa a concessão da Recuperação Judicial em tempo recorde, dado que entre a decisão que deferiu o processamento e a efetiva concessão da Recuperação Judicial, transcorreram apenas 279 dias, , o que apenas foi possível graças ao ânimo colaborativo de todos os envolvidos no processo. Para Kleber Bissolatti, especialista em Recuperação Judicial, Falências e Direito Tributário, sócio-fundador do escritório Bissolatti Advogados, que defende a Recuperanda Vínculo, foi importante o senso crítico da Magistrada que, “ao analisar o caso concreto frente à “força do fisco”, mitigou a redação legal para prestigiar a preservação da empresa”. E completou: “Isso porque, uma vez que, no processo, restou demonstrado todos os esforços empreendidos pela empresa para se reestruturar e conseguir solucionar seu passivo fiscal, permitindo, assim, recuperação da atividade empresarial economicamente viável e a manutenção de todos os benefícios econômicos e sociais que ela gera à sociedade, em um dos piores momentos vividos pela economia brasileira”.