Um estudo a respeito das notícias falsas e como estas afetam a sociedade realizado pela Ipsos, uma das maiores empresas de pesquisa e inteligência de mercado a nível mundial, comprovam que o Brasil é o país, dentre os que participaram da pesquisa, que possui o maior número de pessoas (62%) que já acreditaram em uma notícia que na realidade era um boato (Dados do estudo: “Global Advisor: Fake News, Filter Bubbles, Post-Truth and Truth” realizado em 27 países com mais de 19.000 pessoas).
Sabe-se que a internet tem um papel relevante para a propulsão desse tipo de notícia, tornando o jornalismo ao longo dos anos um meio de comunicação bilateral “de muitos para muitos” como classifica o escritor Clay Shirky, ou seja, hoje o jornalismo emite a informação e de forma simultânea seus leitores já podem se manifestar e opinar sobre determinado assunto. Além disso, as informações hoje não são somente emitidas pelos grandes veículos de comunicação, mas por qualquer pessoa, e muitas vezes tomam grandes proporções de divulgação.
Essa velocidade e nova percepção de tempo que a internet nos proporciona é algo que tem gerado sérios impactos na sociedade. Anos atrás a divulgação de informações ocorria de forma mais lenta, possibilitando a averiguação da mesma antes que alcançasse um número relevante da população. Atualmente, pela rapidez das novas tecnologias, em poucos segundos o conteúdo já foi transmitido e consumido por várias pessoas de diversos lugares do planeta.
A preocupação em tentar combater este tipo de ação, também conhecida como fake news, não é algo novo, já estando presente no cenário legislativo desde 2015. Até o presente momento verifica-se o equivalente a mais de 20 propostas de projetos de leis a respeito das notícias falsas, sendo criado somente neste ano de 2018, o equivalente a 10 projetos de leis, entre os meses de fevereiro e maio, período correspondente ao semestre anterior às eleições.
A grande maioria dos projetos de leis visam criminalizar a criação, divulgação e compartilhamento de informações e notícias falsas ou incompletas, com destaque para tais condutas praticadas através da internet. Muitos destes inserem tal conduta no Código Penal, visando atingir a população como um todo e sob diversos aspectos. Outras propostas possuem preocupação exclusiva no aspecto político, a incluindo no Código Eleitoral, focando a penalização deste tipo penal a apenas situações sob a ótica eleitoral.
Em uma destas propostas a responsabilidade chegou a ser incumbida aos próprios provedores de conteúdo nas redes sociais, determinando que estes teriam a obrigação de retirar do ar qualquer publicação denunciada como falsa em até 24 horas, sendo que o descumprimento de tal obrigação os sujeitaria a uma multa de até R$50.000.000,00. Ainda, um destes projetos, de forma radical, compreende que tal conduta seria um crime contra a segurança nacional, a ordem política e social, inserindo-a na Lei nº 7.170/83.
De maneira geral as condutas são previstas com penas privativas de liberdade em conjunto com multas pecuniárias. Em uma análise genérica algumas das penas privativas de liberdade chegam a atingir até 13 anos de reclusão, aplicando qualificadoras e majorantes nesses casos. Já as multas pecuniárias são pesadas nos projetos que tratam da conduta como um crime eleitoral, chegando até ao equivalente a R$2.000.000,00 nos casos que o impacto de tais informações e notícias falsas tiverem o potencial de influenciar no resultado das eleições.
Analisando as previsões das multas pecuniárias, tanto nos projetos de leis que tratam tal conduta como crime comum, quanto nas que a tratam como crime eleitoral, tais disposições são contrárias aos limites de dias-multa já previstos no Código Penal e no Código Eleitoral, em seus artigos 49 e 286, respectivamente. Além disso, acabam entrando na competência do Judiciário, visto que cabe ao juiz arbitrar dentro dos limites estabelecidos em lei qual o valor será aplicado no caso concreto. Logo, tais determinações deverão ser revisadas.
Todos estes projetos ainda estão em tramitação e há muita discussão acerca da sua legitimidade, visto que o controle destas condutas sob um viés penal atinge a esfera de alguns direitos fundamentais. O acesso à informação, a livre manifestação do pensamento e da expressão intelectual, artística, científica ou de comunicação são garantias constitucionais, sendo vedada qualquer forma de censura ou restrição às mesmas. Em confronto a esses direitos, por vezes, a divulgação livre de informações pode atingir outros direitos invioláveis como o direito da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas, além de tantos outros.
A necessidade de se regulamentar o assunto é evidente, principalmente quando se verifica o emprego de tais ações em períodos eleitorais que podem afetar de forma relevante a imagem dos candidatos e consequentemente nos resultados das eleições. De acordo com o Representante da sociedade civil no Conselho Consultivo sobre Internet e Eleições do TSE, Thiago Tavares, estes projetos de lei não estão atacando uma das causas principais do problema que, segundo ele, seria o financiamento das notícias falsas como parte de estratégia de guerrilha eleitoral.
Certamente tais questões ainda serão discutidas, visto que muitos acreditam não estar no âmbito penal a solução para os problemas causados pela propagação de conteúdo falso ou manipulado por meio da internet. O que se sabe é que alguns projetos de leis devem ser muito bem analisados, pois caso entrem em vigor pode-se instaurar uma situação de extrema desproporcionalidade entre a conduta praticada e as penas aplicadas. Até então, o que nos resta é aguardar os próximos andamentos nas tramitações dos projetos de lei a respeito da criminalização das fake news e quais serão os impactos destas na sociedade.
- Thayná Fiori Gonzaga. Advogada do Escritório Lopes e Santos Sociedade de Advogados. Pós graduanda em Direito Eletrônico.