O trabalho em condição análoga à escravidão não é novidade no Brasil. Tanto que, em 2004, o artigo 149 do Código Penal foi alterado para ampliar a tipificação das condutas relacionadas à exploração do trabalho escravo. De lá para cá, o Ministério do Trabalho e o Ministério Público do Trabalho têm promovido diversas ações de erradicação dessa prática, em linha com as diretrizes e estudos da Organização Internacional do Trabalho.
Em 2014, foi alterado o artigo 243 da Constituição, que passou a prever o confisco para fins de reforma agrária ou uso social, das terras em que comprovadamente tenha ocorrido trabalho escravo. No entanto, as notícias recentes no Rio Grande do Sul fizeram o tema voltar à tona.
Não tenho dúvida de que a prática de trabalho escravo deve ser combatida, banida e punida severamente. Uma vez que o fundamento, antes de ser jurídico, é antropológico: mão-de-obra escrava é uma violação aos direitos dos humanos. Não há justificativa para que uma empresa se valha de trabalho em condição que se aproxime de um modelo escravocrata. Todavia, tenho receio de que a urgência do tema gere um problema comum da vida: a generalização.
O trabalho escravo não é pontual e merece um tratamento específico. Mas será que, em razão do elã do momento, não se pode macular – por mera presunção – outros empreendimentos, inclusive do mesmo segmento, em que se tenha apurado uma empresa que explorava trabalho escravo?
Igualmente, não se pode afirmar peremptoriamente, por exemplo, que a ausência do vínculo empregatício e a prestação de horas extras, sem a comprovação de que houve privação do direito de liberdade ou de trabalho em condições indignas e degradantes, corresponda a trabalho escravo.
O devido processo legal e, o contraditório e a ampla defesa não podem ser descartados sob pena de se configurar o que a argumentação jurídica denomina “generalização apressada”. Voltemos ao clichê da hermenêutica jurídica: a premissa é sempre a dignidade do trabalhador, mas cuja análise deverá observar as especificidades do caso em concreto.
* Maurício de Carvalho Góes, sócio na área Trabalhista e Previdência Social de TozziniFreire Advogados, doutor em Direito e professor universitário
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