Renato Fernandes de Castro, Advogado na Almeida Prado & Hoffmann Advogados Associados
Em 12 de janeiro de 2023, noticiou-se com grande alarde e perplexidade ao mercado, o comunicado do então presidente-executivo da Americanas, Sergio Rial, e do diretor financeiro, Andre Covre, identificando “inconsistências nos lançamentos contábeis” da companhia de cerca de R$ 20 bilhões. A divulgação da informação foi acompanhada da renúncia dos dois executivos, apenas 9 (nove) dias após assumirem seus cargos e foi responsável por despencar no dia seguinte em quase 80%[1] o valor das ações da Americanas (AMER3) na Bolsa de Valores, sendo considerada a maior queda diária de uma empresa de capital aberto na bolsa brasileira desde 2008.
Diante do forte impacto que a notícia causou para a companhia e seus acionistas, de cerca de R$ 8,37 bilhões em valor de mercado, acendeu-se o alerta quanto a falta de “governança corporativa” das empresas listadas na B3 e pertencentes ao Novo Mercado, isso porque no caso da Americanas verificou-se que sistematicamente os dados contábeis da companhia tinham problemas, que não foram identificados e publicizados anteriormente.
Com efeito, a adoção de políticas de boa governança é um conceito intrinsicamente relacionado a ética empresarial e aos fundamentos de ESG – sigla em inglês para melhores práticas ambientais, sociais e de governança. Não é o que ocorreu com o caso da Americanas, que apesar de ter suas ações listadas no Novo Mercado da B3, não adotou condutas de suma relevância para demonstrar transparência e precisão nas suas informações contábeis.
O desenvolvimento das políticas de ESG se dá como uma tentativa de melhor integrar o mercado financeiro às iniciativas ambientais e sociais, alinhando essas boas práticas às novas exigências do mercado e de seus investidores. No entanto, de nada adianta que uma empresa se apresente ao mercado e aos investidores como uma companhia com rígidas condutas de boa governança, se na prática estas não são por ela adotadas.
Vale mencionar que em 2021 a Americanas, que é uma das maiores redes varejistas do país, passou por uma grande mudança societária ao transformar-se em Americanas S/A, abarcando os ativos das Lojas Americanas, Shoptime e Submarino, assim como modernizando sua plataforma digital e física para ampliar suas vendas corporativas.
Ao alterar-se para uma sociedade anônima, a companhia passou a ser obrigada junto à Comissão de Valores Mobiliários – CVM a seguir regras mais rígidas de transparência, a fim de informar e atrair novos investidores interessados quanto a situação contábil da companhia e do grupo, o que caiu por terra na última quinta-feira, com a divulgação dos problemas contábeis da ordem de R$ 20 bilhões.
Adicionalmente, o escândalo em questão traz à tona a falta de maturidade de governança do país, principalmente quanto a inobservância dos seus fundamentos por corporações brasileiras, visto que a sua não realização no presente caso pelos seus administradores causou enorme prejuízo financeiro a seus acionistas e à companhia, além de abalar significativamente a reputação da companhia no mercado, que por vezes pode nunca mais ser recuperada.
Salienta-se, também, que o caso da Americanas deve trazer para o mundo corporativo grandes lições, principalmente quanto à necessária revisitação dos processos internos de auditoria e de governança, para prevenir que novos casos como este não ocorram novamente.
Além disso, é inegável que os processos de fiscalização e auditoria devem ser revisitados e reforçados, para que os órgãos de controle, como a CVM – Conselho de Valores Mobiliários, a B3 e as empresas de Auditoria, fiscalizem com maior precisão as companhias, estabeleçam mecanismos de controle mais rígidos, com o intuito de remediar eventuais problemas verificados, assim como divulguem de forma transparente e correta seus resultados e a realidade financeira das companhias listadas na bolsa de valores.
O caso Americanas não é um caso isolado de problemas contábeis verificados. Em 2020, também foram verificados erros e distorções nas demonstrações financeiras da CVC Brasil da ordem de R$ 360 milhões, após a realização de investigações que detectaram indícios de fraudes contábeis, manipulação de relatórios contábeis, omissões, incorreções e ocultações de informações, tanto por parte da companhia, quanto dos auditores. No entanto, episódios como o ocorrido na última semana volta a chamar atenção do mercado, principalmente pela falta de transparência e leniência dos órgãos de controle brasileiros, que falharam ao fiscalizarem os resultados da companhia.
Finalmente, para que o mercado brasileiro atinja a maturidade da sua governança e os princípios de ESG sejam de fato cumpridos faz-se necessário difundir-se a sua cultura, de forma a gerar um ambiente propício para que as regras e boas práticas sejam adotadas e constantemente verificadas pelos órgãos de controle, transmitindo aos stakeholders claros sinais de transparência e segurança institucional.
[1] A queda em 12 de janeiro foi de 76,17%, com as ações da AMER3 sendo negociadas a R$ 2,86.