Nesta época de fase final de eleições, recebemos todo tipo de mensagens, vídeos e fake news a respeito do outro candidato. Sendo de Direita ou de Esquerda, temos aqui o Bem, meu candidato, enfrentando o Mal, o outro.
Desde que me entendo por gente que o Marketing Político se vale da desconstrução e da demonização de adversários. Mas tenho a impressão que os avanços da Neurociência tornaram esse processo mais técnico, mais cirúrgico e, portanto, mais desesperador.
Vamos lá, então, dar um exemplo: recebi de um conhecido um vídeo de uma pregadora doidivanas, contando uma história aterradora, mas antes vou fazer uma declaração de conflito de interesses: sou politicamente um radical de Centro (muito longe do Centrão), sonho com um governo que cuide bem do dinheiro e da iniciativa privada como a Direita, e tenha sensibilidade social e políticas públicas como a Esquerda. Direita com Compaixão e Esquerda com realismo rconômico. Isso implica necessariamente não ter candidato nessa eleição e não me sentir representado nessa época de exasperação e canalização do ódio. Não há equilíbrio em tempos de Lacração, que é uma forma de abortar qualquer debate desqualificando e insultando a pessoa que de mim discorda.
Voltando ao vídeo, a pregadora fez uma descrição gráfica do tráfico de crianças no Norte do país para prostituição no exterior e das barbáries que vão sofrer como escravas sexuais. O seu candidato resolveu enfrentar essa situação e ir atrás dessas crianças, gerando reações demoníacas do Congresso, do Supremo, da Mídia. Em seguida ela mencionou o aumento, nos últimos sete anos, do estupro de bebês (o que inclui o período no poder de seu candidato, mas ela não faz essa associação. E, aliás, não deveria fazer mesmo).
A luta é contra o Demônio, e o Demônio é o outro lado da disputa. Não parece uma estratégia nova, mas na realidade, é algo novo: esse tipo de imagem repugnante mobiliza áreas do nosso Cérebro Emocional que ativam o Nojo e o Medo. Essas duas ativações liberam neuro hormônios que geram mais medo, mas também uma necessidade de conforto, de proteção. A imagem aberrante associa nosso Nojo e nosso Medo a uma Rede Internacional de Estupradores e Traficantes de Crianças que age nos Subterrâneos e controla grupos do Legislativo e Judiciário. Só o nosso líder tem a capacidade espiritual de enfrentar o Monstro do Submundo. Posso dar outro exemplo do outro lado: faço recorte de um vídeo antigo para insinuar (a Insinuação é mais potente que a Afirmação, porque deixa a lacuna para o Cérebro preencher com a conclusão que parece minha, mas não é) que o candidato adversário admite que comeria carne humana.
Meu adversário, portanto, é um canibal que vai comer o meu dedão quando for eleito. Novamente, a imagem repulsiva, a ativação das áreas de Medo e Nojo criando uma janela de fragilidade e de ausência de Crítica onde eu possa inserir qualquer ideia, qualquer narrativa nessa janela para depositar o Medo, o Nojo, a Raiva, em quem eu desejo atacar.
O antídoto para isso é a Lucidez. É ativar áreas Cerebrais que nos permitam identificar o mecanismo da Manipulação, a tentativa de tomar posse de nossas Mentes e nossa capacidade de avaliar o que é Real e o que é Falso.
Vivemos num tempo onde o maior de nossos desafios é a capacidade de Flexibilidade Cognitiva, que nos permite examinar os prós e os contras de cada afirmativa, de cada proposição, de um lado e de outro, sem precisar lacrar o outro como Anjo ou Demônio. Usar as áreas cerebrais que detectam a falsidade, o erro, a associação espúria que geram o nojo e o comportamento irracional. Estamos lutando por nossa Racionalidade.
Parece hoje impossível argumentar contra essas notícias delirantes, que muitas pessoas queridas podem adotar como verdade absoluta.
Nossa luta talvez seja, antes de tudo, manter a lucidez no meio do tiroteio. E, mantendo a lucidez, não cair em prostração nem em desesperança. E ter a compreensão das pessoas manipuladas pelos próprios medos e aversões. Tudo isso para escolher qual botão da urna acionar.
*Marco Antonio Spinelli é médico, com mestrado em psiquiatria pela Universidade São Paulo, psicoterapeuta de orientação junguiana e autor do livro “Stress o coelho de Alice tem sempre muita pressa”