A expansão da infraestrutura óptica exige planejamento e etapas que muitas vezes são ignoradas
Por Marco Paulo Gianneti*
Diz o ditado popular que “água mole em pedra dura, tanto bate até que fura”, porém algumas pessoas insistem em não seguir as sábias palavras. Digo isso neste momento atual em que as telecomunicações, principalmente as fibras ópticas, tiveram um crescimento exponencial com a pandemia, isso não quer dizer um crescimento organizado. Muitas redes de fibras ópticas cresceram, mas sem planejamento algum. Simplesmente foram construídas no intuito de atender a demanda imediata. Isso, por sua vez, acaba gerando custos adicionais a médio e longo prazo, o que pode até mesmo inviabilizar a operação do provedor de internet (ISP), pois em uma expansão existe a necessidade de construir uma nova rede sobreposta a atual.
As grandes operadoras já estão calejadas e sabem muito bem como projetar e construir suas redes. Cabe então ao pequeno provedor aprender isto, ainda que seja na base do suor e lágrimas. As redes devem ser construídas a prova de futuro e convergência de serviços, para que seja possível atender as demandas futuras como, por exemplo, aumento de clientes, ou de velocidade, ou ainda de novas tecnologias. Ou seja, se antecipar na infraestrutura para atender sem que ocorra a necessidade de alterações significativas posteriores na rede construída. Para que isto seja possível, é necessário o planejamento prévio de atendimento, em que três itens são fundamentais: área de cobertura, construção e operação da rede óptica. Alguns deles, por sua vez, podem ainda ser subdivididos.
1) Definição da Área de Atendimento
A primeira etapa envolve a definição da área de coberturada rede a ser construída, isto é, qual é a área física que será atendida pela nova rede. A decisão sobre onde ela deve ser construída e os tipos de serviços a serem disponibilizados deve ser tomada com a participação das áreas comercial e de marketing da empresa. Afinal, nesta etapa são analisadas todas as possibilidades de crescimento naquela região em termos de segmento (residencial, comercial e industrial), bem como o tipo de construção que será predominante (horizontal ou vertical).
Consultar os dados censitário disponibilizados pelo IBGE é um meio facilitador nessa fase de definição. Pois, neste banco de dados é possível visualizar a quantidade e a classe social dos clientes existentes na região pré-definida, além de outras informações. A partir disso e da política comercial da empresa, define-se o índice de clientes que serão atendidos em determinado projeto.
2) Projeto Executivo da Rede Óptica
Para a fase de elaboração do projeto executivo, deve-se utilizar as informações obtidas no momento da definição da área de atendimento. Tais dados disponibilizados pelo IBGE referem-se ao último censo realizado, em 2010. Por isso, é interessante checar as informações para validar ou atualizar os dados por meio de uma pesquisa de campo.
Caso a empresa possua um Mapa Urbano Básico (MUB), ele deverá ser utilizado para efetuar a análise. Caso não possua, uma maneira alternativa é se basear em um mapa de arruamento – como o próprio Google Maps –, e, a partir dele, anotar a quantificação de imóveis. Para validar os quantitativos de moradias iniciais do projeto, deverá ser executado um levantamento em campo. Uma sugestão para validar as informações é um método simples: efetuar a contagem dos medidores/relógios de energia. Baseando-se nos dados de campo e nas premissas adotadas, parte-se para a execução do projeto.
O projeto executivo de atendimento à região previamente definida deve identificar de modo detalhado todos os elementos ópticos aplicados tais como a cidade e o local (POP) a serem atendidos, os materiais a serem utilizados: rack, bastidor, OLT, DGO, posição da fibra a ser utilizada, cabos ópticos (redes de alimentação e distribuição), caixas de emenda (CEO), caixas de terminação (CTO), pontos de terminação (PTO).
3) Projeto de Adequação Elétrica
Uma vez elaborado e aprovado financeiramente (business case) o projeto executivo, ele deverá ser submetido à aprovação dos órgãos públicos e competentes para obtenção das respectivas licenças e autorizações. Uma parte específica é oprojeto de adequação elétrica, que deve ser apresentado junto às Concessionárias de Distribuição de Energia Elétrica. Esse projeto deve ser apresentado e submetido à análise para aprovação e liberação para execução, pois em muitos casos ocorre a necessidade do uso compartilhado dos postes com base na ABNT NBR 15214.
O escopo deve contemplar todo o trajeto dos cabos, bem como os cálculos dos esforços em cada poste em função do tipo e da quantidade de cabos a serem fixados junto à ele. É preciso prever adequações elétricas (reforços) para possibilitar a instalação dos cabos, com até uma possível substituição do poste devido aos novos esforços que será submetido. Essa aprovação pode ser feita por partes em função da construção da rede óptica. Na prática verifica-se que é mais rápida a aprovação de projetos de atendimentos pequenos e localizados do que a aprovação de um projeto de atendimento completo.
4) Construção da Rede Óptica
De posse de todas as aprovações, licenças e alvarás, deve-se iniciar a construção da rede óptica e, simultaneamente, o cadastramento do projeto executivo na base de dados do provedor. Para a execução física da obra, primeiramente, deve ser verificado e exigido que os profissionais possuam certificações vigentes de Segurança em Instalações e Serviços em Eletricidade (NR-10) e de Trabalho em Altura (NR-35), a fim de evitar multas e acidentes.
Verifique ainda se todos os profissionais possuem Equipamentos de Proteção Individual (EPI) e Equipamentos de proteção coletiva (EPC), pois a instalação dos elementos ópticos deve ser efetuada dentro das melhores práticas vigentes, observando as normas e recomendações adotadas pelas Concessionárias de Distribuição de Energia, pois muitas possuem peculiaridades locais.
Em campo, as equipes de trabalho devem portar todos os projetos aprovados e as respectivas autorizações necessárias emitidas pelos órgãos envolvidos, como CREA, Trânsito Municipal, Cia. Energia, DER, DNIT etc. Em função do andamento da obra, toda e qualquer alteração de projeto deverá ser anotada, e constar no documento as built (como construído, em inglês). Esse documento contempla todas as informações e alterações que foram realizadas sobre o projeto executivo e que deve ser entregue no final da obra para ser utilizado na atualização do cadastro da rede óptica.
5) Testes de Aceitação
Concluída a obra, devem ser efetuados os testes de aceitação, os quais certificam a rede construída tendo como referência o projeto executivo. À medida que forem sendo concluídos os ramais de atendimento e as respectivas caixas de atendimento (CTOs) instaladas, podem e devem ser efetuados testes de aceitação para verificar a qualidade técnica da rede construída.
O teste basicamente é efetuado pela iluminação do ramal óptico, com o uso de uma fonte de luz estabilizada, que pode ser a própria OLT a ser utilizada na rede. Em cada porta óptica de cada CTO o sinal deverá ser medido através de um medidor de potência óptica. As perdas do sinal medido em cada porta devem estar, no máximo, até o nível de perda admitido pelo projeto que, normalmente, é definido na elaboração do orçamento de potência – um dos itens da documentação do projeto executivo. Se a perda estiver acima do projetado, deve ser verificado onde está ocorrendo. A perda pode ser pontual, por exemplo, em uma emenda, conector ou macro curvatura. Eventualmente também pode estar distribuída ao longo da fibra, em um cabo óptico.
Localizar perdas com precisão é interessante, para isso é possível usar o OTDR (Optical Time Domain Reflectometer), utilizando a janela de 1550 ou 1650nm. Nestes comprimentos de onda é possível, além do teste de atenuação, também verificar a existência de perdas por macro curvatura, pois quanto maior o comprimento de onda utilizado, maior o efeito da macro curvatura. Uma vez localizado o ponto da falha, o mesmo deverá ser recuperado e os testes refeitos.
6) Início da Operação
Ao final dos testes de aceitação temos o início da operação. Como dito, em paralelo à construção, o projeto deve ser inserido no sistema de cadastro da empresa. Durante a fase de construção, podem ocorrer alterações no projeto original como alterações de rota, inserção de emendas adicionais, e o encerramento se dará quando a rede for totalmente aceita, sem pendências e com cadastro atualizado. Por isso, com o fim da obra, o projeto concluído deve ser devolvido para conferência e atualização do cadastro. Neste ponto, a rede é entregue para a área operacional e inicia-se a comercialização dos serviços e ativação de novos clientes.
*Coordenador técnico Fibracem