Em momentos de guerra e pandemia, homem foi capaz de criar, inventar e mudar padrões de comportamento
Os historiadores, muitas vezes, são vistos como personagens sociais, a quem cabe narrar eventos da humanidade, interpretando-os à luz de seu tempo. E eles terão muito trabalho para elucidar e compreender as mudanças que a pandemia do novo coronavírus está imprimindo na sociedade contemporânea.
De acordo com o professor de História do Colégio Marista Arquidiocesano, localizado em São Paulo (SP), Cauê Caic Gomes, a análise histórica de grandes fatos e transformações apresenta inúmeras situações. A em que, a partir de grandes marcos de adversidade, a humanidade atinge novos conhecimentos, que também manifestam-se em mudanças comportamentais emblemáticas.
“A história nunca se repete, mas uma observação atenta permite compreender semelhanças e diferenças, traçar comparações e analogias que possam colaborar na construção de ações ou movimentos que tencionem enfrentar adversidades na atualidade”, explica o docente.
O docente cita alguns exemplos que ocorreram ao longo da história:
Descoberta da Penicilina
Um advento datado do início dos anos 30que nasceu de um contexto adverso: a Europa, devastada pela Primeira Guerra Mundial, viu surgir, a partir de um experimento frustrado de Alexander Fleming, a penicilina, o antibiótico mais utilizado na contemporaneidade no tratamento contra bactérias. “Sua criação inaugurou uma nova era no campo da Medicina, mesmo em um contexto em que ascendia o autoritarismo nazista”, frisa o professor.
Criação do Departamento Nacional de Saúde Pública
No período final da Primeira Guerra Mundial eclode um vírus que, segundo estimativas, ceifou 50 milhões de vidas: a Influenza A, popularmente chamada de Gripe Espanhola; afirma-se que tenha recebido esse nome não por ser oriunda da Espanha, pois na época havia pouca exposição de dados dos países envolvidos. Entretando, o país ibérico , democratizava essas informações, o que orientou a imprensa a noticiar os dados e, consequentemente,, as pessoas passaram a crer que a gênese da pandemia tivesse ocorrido na Espanha. “No Brasil, a doença matou em torno de 35 mil pessoas e propiciou a criação de um Departamento Nacional de Saúde Pública, que visava promover saúde de acesso universal e gratuita à população. Anos depois, o Departamento deu origem ao Ministério da Saúde como o conhecemos”, revela Cauê.
Produção das obras Decamerão e Macbeth
Outro evento que tencionou a questão da saúde pública data da Idade Média foi a chamada Peste Negra ou Peste Bubônica. De caráter mortal e excessivamente infeciosa, a doença, causada pela bactéria Yersina Pestes, surgiu no extremo Oriente, e alastrou-se da China a partir de 1333, tendo chegado ao continente europeu no ano 1347. O incremento da atividade comercial entre Europa e Extreme Oriente propiciou o rápido alastramento da doença que, segundo historiadores medievalistas e da epidemiologia, matou 1/3 da população europeia, colapsando a saúde coletiva e impondo medidas quarentenais ao continente.
De toda forma, é nesse contexto de isolamento que alguns conseguem ressignificar o ócio e torná-lo produtivo. “É o caso do poeta e dramaturgo Giovanni Boccacio que redige durante esse período de isolamento o clássico Decamerão. Anos depois, no contexto da Grande Praga de Londres, denominação que explicita outro momento do surto da epidemia, afastado das atividades do grupo de teatro The King´s Men, William Shakespeare, redige Macbeth, clássico que tenciona a maldade humana em diversas esferas”, ilustra o docente.
Surgimento do Movimento negro americano
Rosa Parks, mulher negra americana, que em 1955 recusou-se a ceder seu lugar para brancos no ônibus, e que por isso foi presa, fez com que os discursos de um pastor ganhassem notoriedade. “Seu nome era Martin Luther King, e a luta engajada por essa fatalidade, liderasse movimentos que questionavam o racismo institucionalizado na sociedade americana, que em última instância, além de promover mudanças na estrutura étnico-racial da sociedade estadunidense, abriu portas para que em 2008 chegasse ao poder o primeiro presidente afro-americano, Barack Obama”, ressalta o professor.
Porque o homem resiste?
Viktor Frankl viveu os horrores de ser aprisionado em um campo de concentração nazista, na Segunda Guerra Mundial. Frankl expõe no livro Em busca de sentido, suas experiências aterrorizantes como prisioneiro do regime nazista alemão; tal obra narra a história de jovens e velhos, confinados nas prisões, possuidores de destinos condicionados para além da fatalidade, por seu ímpeto e gana em sobreviver àquele pesadelo, em nome do que a causa representava para suas vidas naquele momento. “Sua obra demonstra, como em alguns casos, jovens morrendo de acometimentos banais como resfriados, enquanto pessoas de mais idade, engajadas em sobreviver àquele horror, resistiam, pois tinham como sentido criar seus filhos, contar suas histórias e sobreviver à banalidade do mal dos homens”, explica Cauê.