Os desafios enfrentados por pessoas com deficiência (PcD) estudantes das escolas regulares não diminuíram com o retorno às aulas presenciais, pelo contrário, os obstáculos se acentuaram para elas após os anos de pandemia de Covid-19, dadas as limitações das próprias deficiências e da falta das especificidades necessárias para garantir o potencial de desenvolvimento cognitivo individual que deveriam ser encontradas em todas as instituições de ensino.
Cerca de 45 milhões de brasileiros têm algum tipo de deficiência, seja para enxergar, caminhar, ouvir ou mesmo alguma deficiência intelectual, segundo o mais recente levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Parte desse grupo – 1,3 milhão – é de estudantes e 86,5% deles estudam nas escolas regulares com todos os demais, aponta o Censo Escolar de 2020. Apesar de, ainda segundo o censo, o número de pessoas com deficiência (PcD) nas salas de aula regulares ter aumentado em 20%, se comparado a 2005, crescimento fomentado também pela aprovação da Lei Brasileira de Inclusão, de 2015, falta um olhar aprofundado para a Educação Inclusiva no país, com o retorno das aulas presenciais.
Retorno
À lacuna intelectual que afetou a todos os estudantes nos dois últimos anos marcados pela pandemia global somou-se o desgaste psicológico, assim como o emocional, de um dia para outro precisar se adaptar a uma nova forma de viver, na tentativa de conter a disseminação do vírus. Crianças e adolescentes passaram a estudar à distância e isso evidenciou mais as debilidades da educação brasileira como o acesso ao ensino remoto não ser uma realidade para todos e a constatação de que a educação possui intrínseca insuficiência. O uso da internet no Brasil se altera de maneira significativa quando se compara pessoas com e sem deficiência. De acordo com documento produzido pelo Centro de Estudos e Memória da Juventude (CEMJ), em uma parceria com a União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES), de 2021, apenas 36,8% da população com deficiência tinha acesso à internet em 2016, fator que prejudicou o acesso ao aprendizado nos para estudantes desse grupo, nos dois últimos anos.
Segundo a especialista em educação especial e inclusiva, professora e fisioterapeuta, Fernanda Schmitt Marcon, a pandemia impactou de forma tão evidente a educação inclusiva, que muitos alunos não desejam sequer retornar às aulas presenciais. “Trabalhar com educação é enfrentar desafios, e, no que diz respeito à educação especial, os obstáculos são ainda mais evidentes, pois os alunos precisam de um olhar diferenciado quanto ao processo de ensino- aprendizagem, algo que nem sempre encontram nas escolas, embora devessem”, afirma a especialista. “Ocorre que os problemas são maiores na perspectiva da Educação Inclusiva porque alunos com necessidades especiais demandam especificidades que foram evidenciadas durante a pandemia, como o não uso da internet, mas que persistem no retorno das aulas presenciais como a necessidade de melhoria na formação dos professores, a flexibilização de material para estudo e o auxílio constante a esses estudantes durante as aulas”, explica Fernanda Schmitt Marcon. Ela reitera que o retorno das aulas presenciais é um desafio aos docentes, alunos e familiares, mas que todas as problemáticas educacionais, psicológicas e físicas adquiridas no período das aulas remotas precisam ser solucionadas. “Acrescente-se que os alunos com alguma necessidade especial tiveram interrompidos tratamentos e outros programas de assistência social durante a pandemia, todos importantes para o seu desenvolvimento global o que dificulta o processo de retorno às aulas de maneira satisfatória. Não é fácil, mas é preciso garantir o retorno dos estudantes com deficiência à sala de aula”.
Direitos
Em 2020, um relatório desenvolvido pelo Instituto Rodrigo Mendes, instituição não governamental que atua com educação inclusiva nas escolas regulares desde 1994, explicita como 23 países e organismos internacionais, como Unicef e Unesco, entendem a inclusão de PcD nas instituições de ensino regulares e, a maior parte dos especialistas em educação, considera que “somente o laudo médico de deficiência não deve ser aceito como justificativa para que estudantes sejam deixados para trás e impedidos de voltarem a frequentar as aulas presencialmente, uma vez que apenas algumas crianças e adolescentes com deficiência pertencem a grupos de risco. Ou seja, o retorno dos estudantes com deficiência às salas de aula deve ser estimulado, respeitando-se os casos daqueles que ainda não fizeram o retorno por estarem associados a eventuais comorbidades que os tornam mais vulneráveis ao vírus da Covid-19 e, assim mesmo, somente após análise que envolva equipes escolar e médica, além das famílias e dos próprios estudantes.
Como linha de partida a fim de entender os direitos das PcDs, no Brasil, exemplifica a professora Fernanda Schmitt Marcon, existem muitas leis, decretos e portarias que falam sobre a educação inclusiva no país, como a Lei Brasileira de Inclusão, a mais abrangente e com um capítulo inteiro voltado para a educação, destacando as medidas que devem ser tomadas pela escola para os alunos com necessidades especiais. O mesmo se dá a exemplo da Nova Política de Educação Especial (PNEE), que estabelece a Educação Especial preferencialmente na escola regular de ensino. Isso significa que há esforços governamentais para que as instituições de ensino atendam estudantes com deficiência, conforme prevê a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB). “Durante o distanciamento social, a adaptação aos estudos ficou por conta da família. Agora, a integração precisa da escola a fim de que o retorno desses alunos aos estudos possa ser realizado de forma global e multidisciplinar”, complementa a especialista.
Desafios
Mesmo com leis que asseguram a participação e a preferência pela escola regular aos estudantes com deficiência, o processo de socialização está apenas reiniciando e o acolhimento é de fundamental importância, assim como o diálogo multidisciplinar para facilitar o planejamento pedagógico individualizado dos alunos com necessidades especiais. Para Marcon, além de as escolas promoverem o atendimento de acordo com as necessidades educacionais específicas, é necessário, neste momento, ofertar condições iguais de acesso e de permanência ao sistema de ensino. A especialista destaca a importância de toda a equipe escolar, juntamente com a família e os profissionais clínicos que acompanham os estudantes com necessidades especiais, em avaliar e organizar um planejamento adequado para o retorno, considerando as características individuais do estudante, além de identificar as possibilidades de trabalho dentro de cada realidade. “É preciso um olhar diferenciado para alunos com deficiência, mas é importante lembrar que ninguém pode fazer tudo sozinho. Por isso, é importante estimular os alunos, suas famílias e os profissionais especializados a trabalharem com a equipe escolar pelo bem do estudante para que todos possam se readaptar ao retorno das atividades escolares. A escola precisa ser um espaço real para todos, mas também para cada um”, finaliza.