Com o crescimento da representatividade feminina dentro das organizações, o debate sobre equidade de gêneros nas empresas tem avançado nos últimos anos. Empresas globais como a PepsiCo, por exemplo, estabeleceram metas e políticas de promoção de mulheres a cargos de liderança. Outras, como a Mondeléz, dizem já ter atingido essas metas e agora buscam alçar voos mais altos em relação à diversidade, equidade e inclusão.
No entanto, mesmo com o debate mais frequente, ainda existem desigualdades evidentes: segundo o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE), as mulheres ainda recebem em média 21% a menos que os homens. E de acordo com o IBGE, foram também elas as maiores impactadas pela pandemia: 72% dos postos de trabalho perdidos durante a crise sanitária eram ocupados por mulheres.
Evidenciando ainda mais esse cenário de desigualdade, também são mulheres as principais vítimas de assédio e relacionamento tóxico no trabalho. É o que revela uma pesquisa da consultoria Santo Caos, lançada em março de 2023, e realizada por meio de questionário online entre julho de 2021 e janeiro de 2023, com abrangência nacional.
Com a participação de quase 20 mil profissionais pertencentes a 18 empresas de diversos setores, o estudo traz números preocupantes: 29% das mulheres relataram já ter sofrido algum tipo de assédio ou discriminação no ambiente de trabalho. Esse número representa mais do que o dobro da ocorrência de assédio contra os homens (14%).
Apesar de esperada, essa diferença entre os números de assédio contra mulheres e homens diz muito sobre a forma como essas questões acontecem dentro das empresas. “Mesmo nos casos em que os homens sofrem algum tipo de assédio, existe uma diferenciação: é um assédio mais voltado para o profissional, como por exemplo o assédio moral, enquanto as mulheres ainda sofrem discriminações relacionadas ao seu gênero e situações de assédio sexual”, aponta Jean Soldatelli, sócio da consultoria Santo Caos, responsável pela realização da pesquisa.
O relatório aponta que 44% das ocorrências de assédio sofridas pelas mulheres são praticadas por colegas de trabalho, enquanto para os homens, a liderança é a maior responsável pela prática de assédio e discriminação (41%).
“Além disso, geralmente a discriminação e o assédio no ambiente de trabalho partem de homens, demonstrando que a estrutura machista afeta majoritariamente as mulheres, mas não somente elas”, pontua o especialista.
O levantamento feito pela consultoria Santo Caos traz ainda a questão da interseccionalidade: mulheres negras, pertencentes à comunidade LGBTI+ ou com deficiência, por exemplo, tendem a sofrer ainda mais assédio e discriminação, por fazerem parte de marcadores sociais ainda encarados de forma estigmatizada pela sociedade.
De acordo com um estudo realizado pela Harvard Business Review, um ambiente de trabalho seguro e inclusivo melhora a cultura e clima organizacional, pois ajuda a evitar situações de relacionamento tóxico no trabalho. Em ambientes mais abertos, a ocorrência de conflitos é muito menor: a frequência de atritos na equipe chega a cair 50% quando a empresa é mais diversa.
A construção de um ambiente mais seguro para todos os gêneros, segundo Jean Soldatelli, passa não só por conscientização, mas também pela existência de canais seguros para denúncia e acolhimento das vítimas: “Somente 30% das mulheres assediadas ou discriminadas dentro da empresa relatam a ocorrência para o RH ou em canais de denúncia da organização. Isso demonstra que ainda existe um grande receio das mulheres em se exporem, arriscando serem demitidas ou mesmo prejudicarem sua carreira, além de uma descrença em relação a qualquer punição que possa ser aplicada ao agressor”, aponta Soldatelli, da Santo Caos.
A pesquisa Gênero e Assédio nas Empresas é parte da iniciativa Diversidade em Dados, com publicação periódica de estudos relacionados ao tema, e o relatório completo pode ser baixado gratuitamente no site da Santo Caos.