A indústria de fundos de investimentos em direitos creditórios (FIDCs) mostrou resiliência e capacidade de enfrentar choques como a crise sanitária provocada pela Covid-19. Diante disso, as perspectivas são positivas para o setor, segundo especialistas que participaram do 5º Encontro Nacional ANFIDC – Desafios e Oportunidades, promovido pela Associação Nacional dos Participantes em Fundos de Investimentos em Direitos Creditórios Multicedentes e Multissacados (ANFIDC), na terça-feira (30).
Segundo a Uqbar, em dezembro de 2019, o patrimônio líquido dos produtos FIDC atingiu R$ 154,51 bilhões, com 913 fundos. Ao final de 2020, já sob efeito adverso da crise sanitária, os valores chegaram a R$ 176,46 bilhões e número de fundos passou a 1.066. Já em dezembro de 2021 o patrimônio líquido estava em R$ 223,62 bilhões, e o setor tinha 1.335 fundos.
“É um produto muito resiliente, capaz de enfrentar choques severos como foi a pandemia. Ele pode enfrentar perdas, e o sistema de hierarquização de cotas é fundamental para o sucesso do produto e por sua resiliência”, disse Décio Baptista Santos, sócio da Liberum Ratings, ao apresentar um estudo.
“A nossa indústria se solidificou e está pronta para enfrentar qualquer evento extraordinário. A pandemia mostrou e provou que o setor estava preparado para grandes desafios. Outros virão, mas mais uma vez estaremos prontos e preparados para enfrentá-los”, afirmou Luis Eduardo da Costa Carvalho, presidente da ANFIDC.
O encontro reuniu importantes especialistas em um debate, mediado por Rubens Vidigal, sócio da VIDIGAL Neto Advogados, sobre a evolução do mercado de FIDC com importantes mudanças do ponto de vista regulatório.
O presidente da ANFIDC reforçou que a entidade tem procurado acompanhar toda evolução do mercado. “Estamos atentos a todos os movimentos. Também temos participado ativamente junto à CVM [Comissão de Valores Mobiliários] em audiências apresentando ideias e sugestões às normas que estão para serem lançadas”, disse.
Enrico Bentivegna, da Pinheiro Neto Advogados, avalia que o mercado não está se aperfeiçoando, mas evoluindo, com a perspectiva de um novo arcabouço para diversas operações. “Um dos pontos interessantes para o investidor é que os FIDCs poderão acessar o público em geral. Isso faz parte de um processo de amadurecimento do mercado e se for implementado será um golaço”, disse.
Bruno Gomes, Superintendente de Supervisão de Securitização da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), adiantou questões que estão em análise no órgão, que pretende entre outros pontos tratar de instrumentos de securitização como um todo na regra geral de fundos, com limites de aplicação. “Em relação à norma de FIDC, a proposta é mesmo abrir para o varejo, podemos refinar um requisito ou outro do que foi apresentado em audiência, em exigência de retenção substancial de riscos se fizer ou não sentido”, completou.
Fernando Fontes, fundador e diretor presidente da Central de Recebíveis S.A (CERC), defendeu a importância de se engajar os sacados para que eles respeitem o que está no sistema e que para isso proporcione o acesso dos FIDCs a um conjunto muito mais amplo de duplicatas que hoje não são negociadas. “O sacado é o grande desafio, é ele que não aceita o FIDC como seu principal credor, que não reconhece a cessão, que não tem incentivo para fazer parte dessa estrutura. E o desafio não técnico, é político, é de como engajar o sacado à dinâmica e evitar que ele se torne obstáculo à viabilização de um novo modelo”, afirmou.
Jean Pierre Cote Gil, gestor de portfólio e diretor da área de crédito do Julius Baer Family Office, vê a indústria de FIDCs como “grande oportunidade” e dá preferência para esse tipo de alocação. Na carteira de cerca de R$ 10 bilhões em crédito privado da casa, mais de 20% do total está aplicado em FIDCs.
“Comecei a acompanhar o mercado em 2007 e, desde então, vi muita evolução. Por muito tempo entrei em bookbuildings (processo em que a empresa avalia o interesse do mercado pelos seus ativos) em que eu investia com duas ou três casas, havia muita desconfiança. Hoje tem mais arbitragem de preço. Vejo como uma grande oportunidade”, disse Cote Gil.
Desafios das contas públicas
Em palestra de encerramento do evento, o ex-diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central Alexandre Schwartsman alertou para a situação das contas públicas do país. Para o economista, os mecanismos de controle de gastos foram todos desmoralizados, citando as metas de superávit, Lei de Responsabilidade Fiscal e a regra de ouro.
“E o teto gastos só está esperando que alguém jogue a pá de cal final, com a promessa de que em algum momento a gente vai ter um outro mecanismo que desta vez vai controlar o gasto apesar de todas as evidências encontradas. O que aprendemos ao longo desses últimos anos é uma coisa muito simples: quando tem um conflito entre um requisito para controlar as contas públicas de um lado e um interesse político de outro, quem sempre perde é a regra fiscal. Esse desafio continua presente e será a grande dificuldade”.
Homenagens
Foram homenageados no encontro o ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia, e o deputado federal, Júlio Lopes, pelo empenho dos parlamentares na aprovação do projeto que regulamenta a emissão de duplicatas eletrônicas. Além disso, a ANFIDC também referenciou o seu primeiro presidente, Alberto Jorge Ferraz Gonçalves.
“Creio que alguns pontos foram fundamentais para chegar aonde chegamos. O principal deles é que essa ideia, essa associação, não tinha um caráter personalista, era algo que precisava ser construído de aproximação desse mercado e seus players”, afirmou Ferraz Gonçalves.