Com o tema ‘Por cuidados mais justos’, o Dia Mundial do Câncer, celebrado em 4 de fevereiro, tem como um dos objetivos aumentar a conscientização e a educação mundial sobre a doença, que provocou a morte de quase 10 milhões de pessoas em 2020 – segundo dados da Agency for Research on Cancer Worldwide (WCRF). A celebração é uma iniciativa da União Internacional para Controle do Câncer (UICC). As Estimativas de Incidência de Câncer no Brasil, organizadas pelo Instituto Nacional de Câncer (INCA), apontam que o País terá 704 mil casos novos para cada ano do triênio 2023-2025, com destaque para as regiões Sul e Sudeste, que concentram cerca de 70% da incidência.
O câncer é multifatorial e representa a segunda causa de morte no planeta, e as ocorrências estão relacionadas a alguns fatores como hábitos de vida, sedentarismo, alimentação e hereditariedade. No entanto, cientistas de várias partes do mundo também têm procurado entender a relação entre a microbiota intestinal e o desenvolvimento do câncer. A ampla literatura científica sobre o assunto sugere uma estreita relação entre a saúde intestinal e a possibilidade de desenvolvimento de câncer. Isso porque a microbiota intestinal é formada por aproximadamente 100 trilhões de bactérias comensais e outros microrganismos que vivem nas barreiras epiteliais do intestino, influenciando as funções fisiológicas sistemicamente, o que inclui regulação do metabolismo, inflamação e imunidade.
No artigo Microbiota: a key orchestrator of cancer therapy, publicado em 2017 por pesquisadores do National Cancer Institute, nos Estados Unidos, por exemplo, os autores explicam que a microbiota está envolvida na iniciação, progressão e disseminação do câncer, tanto nas barreiras epiteliais quanto em determinados tecidos. Os cientistas argumentam que se tornou evidente que a microbiota, particularmente a intestinal, modula a resposta à terapia do câncer e a suscetibilidade a efeitos colaterais tóxicos. No artigo, os autores também apontam as evidências da capacidade da microbiota de modular a quimioterapia, radioterapia e imunoterapia com foco nas espécies microbianas envolvidas, seu mecanismo de ação e a possibilidade de direcionar a microbiota para melhorar a eficácia anticancerígena e prevenir a toxicidade.
O estudo Gut microbiota and cancer: from pathogenesis to therapy, publicado em 2019 por cientistas da University of Catania, na Itália, explica que as bactérias residentes no intestino são capazes de produzir vários metabólitos e bioprodutos necessários para proteger a homeostase (capacidade dos organismos de manterem seu meio interno em certa estabilidade) e o intestino. Por outro lado, se houver uma disbiose patológica (desequilíbrio), várias subpopulações da microbiota podem se expandir e produzir altos níveis de toxinas capazes de desencadear tanto a inflamação quanto a tumorigênese. Os pesquisadores ressaltam, ainda, que numerosas bactérias que habitam o intestino, chamadas probióticos, foram identificadas como protetoras contra a gênese de tumores. Devido à capacidade de preservar a homeostase intestinal, os probióticos têm sido testados para ajudar a combater a disbiose em pacientes com câncer submetidos a quimioterapia e radioterapia. Ainda segundo os pesquisadores italianos, novas estratégias integrando probióticos com terapias anticancerígenas convencionais devem ser encorajadas.
As pesquisas que avaliam a resistência da microbiota em relação ao câncer começaram nos anos 1970 no Instituto Central Yakult, em Tóquio, no Japão. Depois de inúmeros estudos para investigar o efeito antitumoral de várias espécies de lactobacilos com a colaboração de renomadas universidades, como a Juntendo University, School of Medicine, foi constatado que o L. casei Shirota (LcS) possuía poderosa atividade antitumoral, uma vez que a cepa tem forte influência sobre o sistema imune.
Em 2002, no estudo Habitual intake of lactic acid bacteria and risk reduction of bladder cancer, cientistas de várias instituições de ensino e pesquisa do Japão avaliaram o efeito preventivo da ingestão da cepa probiótica contra o câncer de bexiga. O estudo de caso-controle envolveu 180 pacientes selecionados de sete hospitais do Japão, e 445 controles, e os resultados sugeriram fortemente que a ingestão habitual de bactérias do ácido lático reduz o risco de câncer de bexiga. Outros experimentos nos anos seguintes confirmaram os benefícios.
Em 2005, cientistas publicaram o estudo Very long-term treatment with a Lactobacillus probiotic preparation, Lactobacillus casei strain Shirota, suppresses weight loss in the elderly. Os pesquisadores reuniram 380 indivíduos em um ensaio clínico sobre o efeito da fibra dietética e LcS no câncer colorretal. Conduzido de 1993 a 1996, a incidência de câncer colorretal e perda de peso foi investigada por 21,7 anos após o final do estudo anterior. Os resultados mostraram que a taxa de incidência de câncer colorretal foi ligeiramente menor no grupo de ingestão contínua de LcS em comparação ao grupo descontinuado, e a perda de peso foi significativamente suprimida no grupo de ingestão contínua de LcS.
No mesmo ano, o estudo Randomized trial of dietary fiber and Lactobacillus casei administration for prevention of colorectal tumors envolveu cerca de 400 pessoas que tiveram pólipos no cólon removidos e receberam uma preparação de LcS (30 bilhões) ou um placebo, com os pólipos examinados dois e quatro anos depois. A incidência de pólipos propensos ao câncer no grupo de ingestão LcS foi menor em relação ao grupo placebo. Os resultados da pesquisa de acompanhamento foram relatados em 2020 na revista Nutrients.
Para os cientistas, um dos mecanismos presumidos para a prevenção do câncer através do Lactobacillus casei Shirota ocorreria devido ao aumento das atividades imunológicas, tais como a das células Natural Killer (células de defesa do sistema imune cuja função é reconhecer células estranhas ao organismo, infectadas ou com alguma alteração que possa levar ao surgimento do câncer), para induzir os efeitos citotóxicos contra as células tumorais por meio do estímulo da produção de várias citoquinas (proteínas secretadas pelas células).