A procura pela cidadania portuguesa está em alta entre os brasileiros e a demanda cresceu 31,8% nos últimos anos. Os pedidos oriundos do Brasil saltaram de 44 mil, em 2019, para 58 mil, em 2020, segundo dados do Ministério da Justiça. Com as solicitações das demais nacionalidades, ao todo, em 2020, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) registrou 68.981 pedidos para a aquisição da nacionalidade portuguesa.
Dentre os pedidos realizados em 2020, 64.309 estiveram aptos a pareceres, sendo 63.494 positivos e 815 negativos devido a falta de documentos. Como um processo de dupla nacionalidade pode demorar de oito meses a três anos, ao longo do ano de 2020, o governo português concedeu 149.157 nacionalidades a estrangeiros, como resultados das solicitações feitas em anos anteriores. Para se ter ideia, entre 2016 e 2020, foram protocolados 257.099 pedidos de nacionalidade portuguesa.
Para dar entrada em um processo de cidadania portuguesa, é necessário comprovar a nacionalidade portuguesa originária. Isso porque um dos requisitos da Lei da Nacionalidade Portuguesa, n.º 37/81, de outubro de 2021, é a apresentação da certidão ou assento de nascimento do ascendente.
Essa exigência fez com que a família do brasileiro Felipe de Freitas, 35, buscasse ajuda profissional para localizar os documentos do bisavô português para dar início ao processo de dupla cidadania. O arquiteto da informação conta que os familiares sempre souberam da origem portuguesa, mas não tinham como comprovar.
Após anos em busca pelas origens do bisavô, Felipe conta que a tecnologia auxiliou na localização destes documentos históricos. Com inteligência artificial, a equipe de pesquisa genealógica da Martins Castro, sediada em Portugal, conseguiu encontrar o local de nascimento do português originário, que era Arthur Freitas, nascido em Guimarães, no norte de Portugal, e que migrou ao Brasil ainda no século XIX.
Após descobrir o local de nascimento do bisavô, a família conseguiu a segunda via da certidão de batismo e deu entrada no processo de emissão da dupla cidadania para o pai de Felipe, Jefferson de Freitas, que, em seguida, transmitirá o direito aos filhos. O pedido está em curso há sete meses e Felipe, que vive em Lisboa desde o ano passado, aguarda ansioso o resultado positivo do pleito para ampliar a internacionalização de sua carreira. “Tive uma proposta de trabalho interessante e me mudei para Portugal, agora espero ter a possibilidade de alcançar novas experiências profissionais como cidadão europeu. Isso porque esse documento vai me possibilitar transitar por outros países com direitos plenos.”
A trajetória da família de Freitas não é um caso isolado. A recuperação de dados e documentos históricos dos ascendentes portugueses é um dos empecilhos para brasileiros comprovarem o direito à dupla cidadania. O genealogista e especialista em information resourcing da Martins Castro, Gabriel Dias, conta que, no final do século XIX, os portugueses chegavam ao Brasil sem certidões de nascimento e poucos tinham passaporte.
Outro fator que prejudica a busca documental destes familiares está no fato de que até 1911 não havia registro civil em Portugal. Os nascimentos e batismos eram feitos pela Igreja Católica e, na época, era comum ter de 20 a 30 paróquias por concelho ou cidade. Por isso, é comum encontrar grupos de descendentes portugueses pelas cidades, que não conseguem comprovar a descendência pela falta de documentação. Como esses documentos não estão mais em posse das famílias, se perderam. “Muitos sabem que os avós são portugueses e não conseguem ter provas documentais da naturalidade do português emigrado. Isso prejudica quem busca a dupla cidadania”.
Com o objetivo de recuperar esses acervos, pesquisadores da Martins Castro, consultoria em mobilidade internacional, montaram um banco de dados com mais de um milhão de metadados para promover pesquisas genealógicas. O coordenador do estudo e sócio da Martins Castro, Thiago Huver, diz que estes dados constituídos, a partir da ciência da informação, têm permitido a localização de documentos, fundamentais para comprovar a nacionalidade destes familiares.
Neste banco de dados, há uma série de informações de órgãos públicos, como, por exemplo, a Secretaria Nacional de Agricultura e Colonização, estâncias, hospedarias, paróquias e dados pessoais de cada família, que participa das pesquisas genealógicas. Uma união de diversos fragmentos informacionais, que tem garantido a comprovação da entrada destes imigrantes no Brasil e das suas origens em Portugal.
Huver explica que a grande mobilidade dos portugueses para o Brasil ao longo do século XIX, entre os anos de 1890 e 1920, gerou um conjunto de anotações nas administrações públicas brasileira e portuguesa, em cartórios, conservatórias e também registros particulares. Atualmente, estes documentos estão espalhados por diversos locais nos dois países e muitos descendentes não conseguem localizá-los.
Como no Brasil, há cerca de cinco milhões de netos de imigrantes de Portugal, conforme informações das comunidades portuguesas, Huver acredita que essa metodologia de trabalho cumpre um caráter social. “Ao ajudar na comprovação da descendência portuguesa, esse banco de dados pode impactar positivamente milhões de pessoas, que passariam a ter o direito a uma mobilidade internacional segura”.