Depois de 52 dias de paralisação, servidores do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) encerraram greve iniciada em março e voltaram ao trabalho com a missão de conseguir a diminuição da fila de atendimento que, até o mês de março, segundo o último boletim do órgão, era composta por 1.702.361 requerimentos de benefícios em análise.
No acordo para o fim da greve, além de reposição salarial, outra reivindicação dos servidores foi a realização de concurso público para a contratação de mais servidores. Segundo o sindicato da categoria, em 2016, o INSS possuía pouco mais de 36 mil servidores em atividade e esse número, em fevereiro de 2022, havia caído para 22 mil. Durante esse tempo, no lugar de 14 mil servidores que se aposentaram, apenas 70 foram contratados, via concurso público.
As deficiências no atendimento atrasam a análise de pedidos de aposentadoria e demais benefícios a todos que têm direito a eles, mas prejudicam especialmente quem tem mais dificuldade de acesso ao INSS, como é o caso de trabalhadoras rurais. De acordo com o advogado Edson Lopes, apesar das garantias asseguradas ao longo dos anos às mulheres, como as mudanças na legislação, o trabalho feminino desenvolvido na roça ainda é invisível, complementar e subordinado à família.
“Muitas vezes, o trabalho masculino é o único realmente considerado e autônomo, capaz de gerar renda monetária. Assim sendo, a trabalhadora rural enfrenta, não só as diferenças salariais, como também, muitas vezes, a falta de remuneração. Diferentemente das trabalhadoras urbanas, as rurais, muitas vezes, se limitam à vida privada. Esta ideia se torna clara com as atividades de autoconsumo: elas produzem e alimentam suas famílias, mas não são classificadas como “trabalhadoras” pelo fato de esta produção não estar inserida na esfera econômica”, comenta o advogado.
Lopes ressalta que a rotina das mulheres do campo, aliada ao papel historicamente reservado a elas, por muito tempo dificultou a comprovação de atividade laboral para fins de aposentadoria.
“Como o trabalho sempre esteve presente no dia a dia da mulher rural, sua conscientização sobre seu papel dentro da economia se deu tardiamente, e ainda hoje é difícil para muitas delas separar as atividades que realiza no campo daquelas desenvolvidas na esfera privada: serviços, como o cultivo de hortas, pequenas lavouras e criações, são classificados como “rotinas do lar”, não são percebidas, pelas próprias mulheres, como atividades produtivas”, ressalta o advogado.
Decisões judiciais e atualização da lei garantem concessão de aposentadoria para trabalhadoras rurais
Para garantir benefícios para mulheres que trabalham no campo e não conseguiam comprovar tempo de serviço por registro em carteira ou comercialização de produtos cultivados, o que também era dificultado até a modernização da lei, decisões judiciais passaram a garantir às mulheres outras possibilidades de conseguir acesso à aposentadoria, segundo informa o advogado Edson Lopes, que tem mais de 10 anos em Direito Previdenciário.
“Buscando considerar tais nuances e oferecer proteção a essas mulheres é que o STJ (Superior Tribunal de Justiça) reconheceu que os documentos que atestam a condição de lavrador do cônjuge, como certidão de casamento, certidão de nascimento dos filhos, carteira de trabalho, nos quais conste a ocupação de “lavrador” do cônjuge etc, constituem início razoável de prova documental para fins de comprovação de tempo de serviço da trabalhadora rural”, explica.
O advogado complementa que o colegiado se posicionou no sentido de que a qualidade de trabalhador rural do marido pode ser estendida à esposa. “Se o marido desempenha trabalho no meio rural, em regime familiar e para subsistência, presume-se que a mulher também o faça”, acrescenta.
Evolução na legislação
A partir da criação das Leis nº 8.212 e 8.213, de 1991, a previdência se tornou política pública para o campo e melhorou o acesso dos trabalhadores rurais. “No caso da aposentadoria por idade, praticamente chegou a dobrar o número de beneficiários. Esse resultado sugere que a concessão da aposentadoria aumentou a renda familiar e, consequentemente, contribuiu para o combate à pobreza no campo.
No caso das mulheres trabalhadoras, até então, o trabalho rural registrado era restrito, assim como o acesso feminino ao crédito e à comercialização do seu produto agrícola. “Elas tinham mais dificuldade de aparecer individualmente como agricultoras, embora muitas delas já fossem chefes de família, mantendo suas terras produtivas, no cultivo de hortas, lavouras e criações”, destaca Lopes.